As pessoas não sabem como era o
espírito na Escandinávia nos anos setenta. Em rigor, muitas não sabem, mas os
especialistas em pornografia sabem. Eu sei que eles sabem. Foi nesse ambiente
que Agnetha cresceu e se tornou mulher. Já não se fazem mulheres como a
Agnetha, nem nas melhores maternidades de Jönköping. O umlaut é muito Spinal
Tap e a Agnetha era muito o que a Ágata gostava de ter sido, antes de descambar
numa adaptação da Bonnie Tyler. Toda ela um monumento à louridão nórdica, feminíssima,
pele rosadinha, ingénua, gostava de romances e detinha um gosto duvidoso pela
moda. E ela fodia. Oh, se fodia. Pois ela cresceu na libertina Suécia que teve
o seu apogeu nos anos setenta, com patilhas, calças à boca de sino, roupa
justinha, lapelas e colarinhos estapafurdiamente largos a acompanhar uma
tendência muito vincada para o sexo. Famílias inteiras como a da Agnetha fodiam
nos longos serões suecos junto à lareira, a neve cá fora, o alce de estimação,
o imponente Fredrik, ruminando junto ao barracão de madeira onde se guardavam
os esquis, o mobiliário do Ikea bem arrumadinho e restos de arenque fumado nos
pratos. Começavam por jogar à sueca. Não o popular jogo de cartas, mas uma
prima que vinha lá de Norrköping para andar de um lado para o outro a chupar o
que lhe conviesse. Mamilos ou pénis, botões de rosa ou experimentação com almôndegas,
tudo servia. A prima abria as hostilidades logo depois do brandy sueco que
finalizava a refeição, uma zurrapa de bagas destiladas com sabor a carvão, apalpando
os tomates do avô. Geralmente, os mais velhos tinham prioridade, que isto do
respeito escandinavo é bonito. Mas depois a avó agarrava-se à tia, o pai
exibia-se excitado perante a sobrinha acabada de fazer dezoito aninhos, a nora
enfiava um rolo da massa por um orifício debruado a pêlos púbicos, os primos
engalfinhavam-se numa orgia à parte e toda a gente se divertia, era só sorrisos
e fluidos alegres excretando dos corpos. Naquela Suécia luterana, a sexualidade
era incutida de forma precoce na educação das crianças. Tudo só com recurso a
televisões Electrolux quadradas, pesadonas e a preto-e-branco, sem vídeos nem
webcams que pudessem passar a palavra. Difícil de imaginar. Mas eles imaginavam
muito e concretizavam a preceito. Era gente práfrentex. A Agnetha fez o seu
primeiro broche aos doze aninhos. Mas foi ao carteiro, que não era da família.
Porque Agnetha apanhou a mãe a chupá-lo atrás dum pinheiro e, abelhuda como
era, foi perguntar o que era aquilo. O que se iria fazer à criança? Proibir e
condenar nunca foi o apanágio dos suecos, era dar largas à criatividade e
explicar-lhe que as coisas são como são. O pai ficou aborrecido com o sucedido
e nem acabou de fornicar a vizinha que lhe veio bater à porta a pedir açúcar
nesse dia, sem lingerie alguma. Queria ter sido ele a encertar a Agnetha. Mas
pronto, no Natal meteu-lhe o dedo no pipi e não se falou mais disso, a partir
daí já era uma mulher.
Depois foi para a escola secundária;
as mamas cresceram-lhe, mas não muito, e pensou que queria ser uma estrela. Que
cantava bem e tinha presença e etc.. Coisas de menina. O professor de música
incentivou-a enquanto avaliava as alunas da turma. Afinava o clarinete da Ingrid,
esticava o trombone na Birgitta, dava uma gaitada de beiços à Freja, mas era à
Agnetha que o professor solfejava com mais afinco. E Agnetha guinchava ali um
si bemol sustenido, oitavas em série e um conjunto de movimentos pélvicos que
sim senhor, auguravam-lhe um futuro promissor. Não exactamente como cantora,
mas como artista de variedades no geral, assim dum modo muito
abrangente.Agnetha vogou então pela Suécia, de Gotemburgo a Estocolmo,
fornicando o seu caminho para o estrelato por bares, pequenos clubes e
ocasionais festas populares. Num desses broches conheceu o Björn, que, como bom
sueco com direito a umlaut no nome e tudo, fodia tudo o que viesse à rede. A
Agnetha, porém, com a sua candura pueril e garganta funda, era diferente.
Apaixonaram-se. Mesmo que Björn tivesse cara de parvo. Era um enfezadito com
traços labregos. Mas tinha uma glande em forma de cogumelo que Agnetha
apreciava porque coçava-lhe por dentro como ninguém. E também tocava uns
intrumentos, tinha alguns conhecimentos no meio musical e possuía gosto por
arte naïf, à imagem de Agnetha. Foram então em par cantando as suas pirosices
por esses bares da Suécia, todos feitos em madeira, com lareira e várias
cabeças de animais penduradas nas paredes. Aquilo foi giro, mas ao fim de algum
tempo começou a tornar-se rotineiro: chega-se ao bar, fode-se junto à mesa de
mistura, bebem-se uns copos, uns casais chegam e começam a foder, depois
ligavam uma cassette e cantavam por cima enquanto o público se ia renovando
entre copos e sexo oral, acabava a noite, sexo com o anfitrião e até um dia
destes. “Precisamos de uma dinâmica nova, Agnetha”, desabafou Björn depois de
limpar a pila na cara dela. O impressionante é que mesmo que estivesse a falar
a sério, Björn mantinha sempre aquela expressão idiota e sorria com a franjinha
a descair-lhe na testa. Agnetha chorou, agarrando-se a uma rosa para efeito
dramático. Claro, picou-se e depois ficou a chorar com razão. Com ranho bem
viscoso a descer-lhe do nariz e as sobrancelhas muito comprimidas. “Assim não
dá. Eu não sou levado a sério e tu comportas-te como se fosses um pequeno pónei”.
E disse isto quase a gargalhar. Mas estava desolado. “Precisamos de encontrar
um equilíbrio. E um par fixo para o swing também, se calhar”.
Da misteriosa Anne-Frida não se
conheciam registos significativos. Diz-se que veio da Noruega, era filha de um
nazi e perdeu a virgindade para um urso num fiorde. Mas o nome dissipava
dúvidas: era uma mulher Frida. No seu âmago, por nunca ter tido a oportunidade
de conhecer o progenitor e por isso debater-se com dilemas paternais para toda
a vida; e no seu sexo, assado de tanto foder. Anne-Frida era bruta que nem uma
viking e não tinha pudor algum, conferindo uma vertente negra e niilista ao
sexo como poucas. Volátil e mais morena do que se suporia, veio pedindo boleia
e pagando com broches os salmões e bifes de rena que comeu no seu périplo pela
fria Escandinávia, em busca de um sentido para a vida. Um dia estava Anne-Frida
num desse bares de madeira com cabeças de animais penduradas na parede em plena
orgia com uns convivas quando Benny reparou nela. Anne-Frida despachou quatro rapazes
robustos que levantavam camiões Scania com a pila enquanto fazia fisting em
duas amigas que jorravam uma substância translúcida das suas vulvas. Era
invulgar até para os padrões suecos. Benny não se fez rogado; limpou a baba que
pendia da sua boca e aproximou-se da mesa. “Olá. Sou o sr. Anderson. Muito
prazer.”. Anne-Frida olhou para Benny e preparava-se para desabatoar-lhe as
calças mas Benny travou-a. “Por favor, vamos para um lugar mais recatado
conversar... Deseja acompanhar-me ao meu Volvo?”. Anne-Frida não pensou duas
vezes, ela estava numa de apanhar boleia outra vez. E uma vez chegados ao
Volvo, Benny deu ordem ao motorista “Johansson, arranque”. “Para onde, sr.
Anderson?”. “Arranque e deixe-se ir”. Anne-Frida sorriu “És um gajo com nota!...
Mamma mia!”. Benny olhou para Anne-Frida, notou a felicidade rebelde do seu
sorriso e sentiu uma lâmpadazinha a cintilar na sua mente. Daqueles bolbos
incandescentes com fraca eficiência energética, naquele tempo era o que havia.
“Um dia”, confessou Benny enquanto afagava a cara dela dentro do carro a
vaguear pelas ruas húmidas de Estocolmo, “vamos fazer coisas grandes com essa
frase”. “Que coisas, pá?”. “Depois conto-lhe. Importa-se que lhe apresente o
meu pénis, senhora...” “Anne-Frida! Sim pá, mete lá o coiso de fora!”. Foi uma
noite longa dentro das noites longas da Suécia. Deambulando a média rotação com
correntes nos pneus sobre a camada de gelo na estrada, rasgando a fria noite em
direcção a lado algum. Pararam apenas para reabastecer e para o Johansson
também ter algum prazer oral. No raiar do dia, aconchegadinhos com um cobertor
junto a uma fogueira numa planície coberta de musgo a ver o nascer do sol, sabiam
que iriam ficar juntos por muito tempo, percebendo a química inexplicável que
os unira. Menos o Johansson, que ficou a vazar da vista num acidente macabro
durante um jogo de hóquei no gelo e deixou de conduzir pouco tempo depois.
Benny tinha queda para o negócio. Era de boas famílias,
nacionalista, achava que os dinamarqueses eram quase africanos e abominava a
social-democracia de Olof Palme; matá-lo-ia se pudesse. Foi skinhead mas ficava
sempre por casa a masturbar-se para cima das revistas pornográficas que a
professora mandava para tpc, na parte dos alemães com bigode e pindurezas à
mostra, quando queriam ir mandar pedras à joalharia do judeu. Era um betinho na
terra dos betinhos, uma espécie de sumidade beta, um obcecado pelo formalismo. Pedia
licença à empregada antes de a sodomizar e tratava-a sempre pelo apelido. Mesmo
na fase hippie, era um betinho de pullover e possuía um modo irritante de
pronunciar “skårg jöp!”, uma espécie de “como é que é malta, tudo em cima?”,
que secava as mulheres. Mas, enfim, tinha dinheiro, podia diletar-se por aí à
vontade. Comprar uns instrumentos, gravadores, mesas de mistura e coisas assim.
Produzia uns jingles por diversão. Conseguiu entrar no top-40 sueco com uma
melodia para um laxante à base de ervas do ártico. O efeito foi tal que a
Suécia se mobilizou para comprar esse miraculoso laxante, persuadida pela
melodia infecciosa daquele jingle. E toda a Suécia fez muito mais merda nesse
ano do que nos anos anteriores ou subsequentes, segundo um estudo da
Universidade de Lund. Benny leu os sinais e mentalizou-se que poderia ser um
flautista de Hamelin, manipulando as massas através da música para a adesão à
sua concepção de Estado: um sistema baseado numa economia fechada ao exterior,
na repressão de valores igualitários e na supremacia do homem branco
escandinavo. Até tinha a letra para o primeiro hino, “Framåt svenska bröder”,
mas, beto como era, não queria ter o trabalho de cantar e que fossem outros a dar
o corpo ao manifesto. “Podia ser a minha porta-voz, senhorita Anne-Frida.Você
possui a desenvoltura adequada para passar a minha mensagem duma nova ordem
social”. “Achas? Eu é mais tricot e cenas, tenho lá cabeça para isso”. “Mas,
Anne-Frida, repare...” “Mas repara o quê, pá? Queres ter sucesso ou não? Se
queres é dar o que o povo quer e não essas merdas políticas, pá”. Benny
deixou-se levar, que se lixe; no fundo dava menos trabalho. Mudar a sociedade
era capaz de ser demasiado ambicioso para quem dispunha de uma frota de Volvos
e Saabs com motorista incluído, criadagem para lhe tratar das chatices e acções
da Ericsson. “De acordo, senhorita. Posso então proceder à degustação do seu
clitóris para selarmos o início deste projecto?” “Anda lá lamber-me a carpete,
pá, fui meter umas extensões na pintelheira para quê, afinal?”
Foi numa feliz coincidência do destino que estes dois pares
se cruzaram e mudaram o futuro da música pimba, e do mau gosto no geral, a uma
escala internacional. Tudo ocorreu quando Fredrik, o fiel alce de Agnetha,
faleceu num bizarro acidente de jardinagem e ganhou, por mérito próprio,
direito a ficar com a cabeça pendurada na parede dum daqueles bares de madeira
que pululam pela Suécia. Agnetha foi convidada para a cerimónia de descerramento
das hastes de Fredrik. Ela poderia cantar as suas chachadas melodramáticas com
o Björn, haveria happy hour e aquilo que era costume dar-se aos clientes nesses
bares suecos, os salgadinhos e o sexo em grupo sem qualquer espécie de
protecção. Benny e Anne-Frida estavam particularmente enfadados nesse dia.
Benny tinha passado o dia a espalhar Halibut nas bordas feridas da Anne e esta
ainda não havia sequer esfregado o pito. Saíram até ao bar para emborcar uns
copos, fumar umas cigarradas e ver se pelo menos presenciavam sexo porreiro
entre estranhos. Sempre distraía. As coisas principiaram mornas, quase ninguém
presente para momento tão solene, só uma gorda de cu para o ar numa mesa ao
canto com uma cerveja a morrer diante dela, numa espera algo impaciente para
que alguém tomasse alguma iniciativa. Tinha um rabo demasiado flácido e com
covas e Benny, depois dum dia daqueles, suspeitava de hemorróidas e não
mostrava interesse. Porém, assim que a voz maviosa de Agnetha soltou um gentil
“sova, sova bra min söta älg...”, Benny despertou da sua modorra. “Mas... mas
que voz... que presença... Anne-Frida, escuta?” “Ja, det är okej... É fixe, a
chavala”. Björn acompanhava e sorria, parvo, com a sua guitarra acústica sobre
o joelho e pé sobre um banquinho, destapando a meia branca, mesmo à totó. Pelo
canto do olho, reparou no olhar compenetrado de Benny e no desdém petulante de
Anne-Frida ao fundo. Agnetha vivia com intensidade o seu momento de homenagem a
Fredrik, “varför, åh varför, min gud...”, agarrada em lágrimas à cabeça do seu
adorado ex-animal, perante a complacência do dono do bar que polia um copo e a
flatulência natural da gorda que passara muito tempo de cu para o ar. Quando
finalizou a actuação, Benny irrompeu numa ovação desmedida, bradando “Bravo!
Bravo! Uma maravilha! Bravo!”. Agnetha sorriu, envergonhada, fungando e
esfregando os olhos. Björn obviamente que também sorriu, mas desta vez era
mesmo para sorrir. “Obrigado. Muito obrigado”. “Querem proporcionar-nos o
prazer da vossa companhia, por obséquio?”. Agnetha e Björn entreolharam-se.
Ambos estavam mais que contentes pelo convite e aceitaram-no com um enfático
“självklart!” em uníssono.
Uma forte empatia pairava sobre a mesa com os quatro
reunidos. Todavia, incapazes de expressar os seus sentimentos como bons
nórdicos, gerou-se um silêncio embaraçoso por uns instantes. Todos sorriram de
forma constrangida, o que só era um trunfo para Björn, que estava habituado a
passar por parvo. Björn interessava-se pelo desafio que Anne-Frida
silenciosamente lhe colocava, ao mordiscar o copo e ao descrever curvas muito
largas ao cruzar as pernas. Pela cabeça dele desfilavam mil fantasias. Aliás,
pela cabeça dos outros também: Anne-Frida queria ver Agnetha nua e enfiar-lhe
os dedos na rata, para ver se a teria tão lubrificada como a dela; Benny
abanava a cabeça e esfregava nervosamente as mãos, também queria papar a
Agnetha e deliciar-se com o gemer da sua gentil voz; e a própria Agnetha já
esquecera o Fredrik e estava agradada com o interesse de Benny pelo seu talento,
gostava de meter a pila dele dum lado e a de Björn do outro e chupá-los à vez
de joelhos. Teve de ser a Anne-Frida a chegar-se à frente. “Ora bem, já que
ninguém avança, avanço eu: ó Benny, mostra aí a tua sarda à gente”. Todos riram
de excitação. Estavam em brasa. Benny imediatamente cumpriu e desfraldou o seu
garboso mastro empinado. Agnetha esbugalhou-se e inclinou-se, boquiaberta.
“Sim, o meu Benny é tudo isto, querida. And the winner takes it all”, ufanou-se
Anne-Frida, abocanhando o falo de Benny todo até ao fundo. Björn, ainda mais
parvo que o costume, aplaudiu. “Uau!”, e deu uma palmada no rabo de Agnetha, do
género, “estás a ver aquilo?”. Agnetha virou-se e respondeu com um tabefe
jovial em Björn dizendo “ai, és tão
parvo!”. E realmente parecia. “Vá, Agnetha, despe-te lá para os senhores”.
Agnetha deixou cair o vestido e revelou a sua pungente forma física. Benny teve
um estremecimento. “Perdoe-me, Anne-Frida... mas concede-me a liberdade de
afagar aquele curvilíneo corpo feminino?” “Knowing me, knowing you... there is
nothing I can do”. E Benny foi
agarrar-se a Agnetha, faminto. A Anne-Frida não lhe restava outra opção senão
tentar a Agnetha depois ou entreter-se com o Björn, o que não lhe parecia
propriamente fantástico. Porque o Björn parecia um parvinho de soquetes
brancos. “Prontos, então saca aí o teu material para a gente ver como é que é
isso...”. Björn sabia que iria surpreender e meio jocoso atirou: “well, take a
chance on me...”. E assim que Björn soltou o seu cogumelo, Anne-Frida admirou-se.
“Ena pá, parece o Napoleão... pequenino mas com uma grande cabeça! Vamos lá a
isso!”. E Björn deu um toque a Benny, numa cena de camaradagem entre homens.
“Pá, a tua gaja é de partir o côco... Chamou-me Napoleão!”, “Com efeito. Ela é
muito prazenteira... Quando finalizarmos este acto e nos ejacularmos, podemos
conversar sobre umas ideias que tenho em mente?” “Sim, sim, claro!”. Ainda
demorou. Experimentaram várias posições, trocaram de parceiro algumas vezes, as
ideias explodiram; foi um festival de sexo e criatividade. Apreciaram-se as
qualidades dos quatro elementos: Benny, enquanto Agnetha se deleitava sobre
ele, contorcendo-se que nem uma amazona com o cio, sussurando os seus orgasmos
em tons delicodoces, exultava “you’re the real dancing queen... so young and
sweet, maybe only seventeen...”; Anne-Frida, quando com o falo de Björn bem
entalado dentro de si, vociferava “Gimme! Gimme! Gimme!” e Björn, suando pelos
poros, aplicava-lhe a dose de carne solicitada com afinco. “Voulez-vous?
Ah-ha... Ah-ha”. A gorda que estava de cu para o ar mudara de posição e ficara
a assistir, tocando-se solitária e sentindo-se frustrada pelo abandono.
Virou-se para o dono do bar que batia uma punheta junto aos quatro, ignorando-a
olimpicamente desde o início, e, aproveitando um nano-segundo em que ele olhou
para ela, revelou-lhe amargurada “one of us is crying...” com as mamas quase a roçar
no chão de tão tristes. O dono do bar encolheu os ombros e pronto, foi comer a
gorda. Também para fidelizar a clientela. Juntaram-se então todos numa orgia
alargada e ficaram íntimos uns dos outros, excepto da gorda, que só levou do
dono do bar e não se misturou com os outros. Há limites. Mas todos acabaram felizes
e todos vieram-se mais que uma vez. E assim, de uma penada, foi gerada a
inspiração para uma série de êxitos que viria a mudar o mundo. Especialmente, o
mundo dos casais pouco sofisticados. Quando saíram do bar, a confiança que
emanavam era tanta, a euforia tão desbragada, que sentiram que teriam o mundo a
seus pés, seria somente uma questão de tempo. Até a gorda renovou as suas
esperanças num futuro com menos gatos e mais pila, mas infelizmente seria
atropelada por um eléctrico em circunstâncias nunca esclarecidas no solstício
seguinte e passaria o resto dos seus dias a defecar por um catéter. Já o dono
do bar quedou-se com sentimentos agridoces: é verdade que ainda se divertira
com a Agnetha e a Anne-Frida, mas sentiu que poderia ter contraído uma doença
venérea porque a gorda não parecia saudável e tinha comichão na zona genital. E
só tinha vendido cinco bebidas a noite toda.
Abençoados
pelas boas graças da fortuna, os quatro encontraram pouca resistência na
ascensão ao firmamento do sucesso. Foi
uma época orfã de símbolos culturais. Eles souberam explorar esta conjuntura, aliando
a visão pragmática de Björn e revolucionária de Benny à presença inocente de
Agnetha e reguila de Anne-Frida. As coisas fluíam com uma naturalidade
impressionante. Agnetha dizia numa entrevista “I have a dream” e o Björn era
logo “Pronto, grande título, bastante original, já tenho aqui uma melodia em
mente!”... e o Benny “eu sugiro uma base em piano, entra a Agnetha e depois a
Anne-Frida...” “Eu posso mostrar as mamas!” “Não, Anne-Frida, você canta com a
Agnetha, está bem?” “Okej...” “Pronto, vamos para os Estúdios Polares gravar
enquanto isto está quente?” “Vamos lá!” “Amigos para sempre!” “Siiiiiim!” “Um
brinde à nossa relação!” “Posso mostrar as mamas agora?” “Hip-hip-hooray!” E
era sempre assim, a fórmula não falhava: ideia do nada, música a acompanhar,
letras banais a rematar, maquilhagem para cima do palco e pronto, estava ali um
hit para durar gerações. E fornicações bem-dispostas nos camarins. Mesmo no
Festival da Eurovisão. Embora fosse numa época em que apenas 60% deveria ser
gay e, claro, ninguém assumisse. Mas foi um forrobodó e o primeiro sinal claro de
que o êxito chegara em apoteose. Anne-Frida celebrou o triunfo fazendo questão
de mexer em todos os pénis da orquestra residente. Houve deboche por parte de
Benny, que, impulsionado pelo consumo frenético de pó branco e álcool,
despachou todas as fêmeas da equipa jugoslava. E Björn, pela primeira vez em
anos, deambulava pelos bastidores sem o seu costumeiro sorriso pateta cravado
na face, ensandecido, semi-robótico, os olhos muito rubros e as bochechas muito
salientes, talvez por se ter alongado demais com o rabo de algumas
checoslovacas na cara depois de ter tomado uns comprimidos. Agnetha foi a mais
recatada naquela louca noite. Deixou-se impressionar pela quantidade de flores
oferecidas no camarim e ficou a cheirá-las qual Bambi. Mas nua. De modo a ficar
em contacto próximo com a Natureza. Ela era assim. Quando lhe bateram à porta,
Agnetha acudiu e quem estava do outro lado era um jovem latino, bem apresentado
com a sua cabeleira pelos ombros, franja aprumada, patilhas exemplarmente
desenhadas, um bigode farfalhudo, os pêlos subindo pelo torso vigoroso, até
saírem pela camisa púrpura bem justinha e aberta junto ao fio dourado com um
crucifixo na extremidade, calças brancas terrivelmente justas com lantejoulas
laranja laterais e sapatos com tacão de vários centímetros. “Posso ajudar?”
“Oye, perdona, me he equivocado, este no es el vestidor de España...” A visão
de Agnetha despida não deixara o despistado espanhol indiferente. Era difícil
resistir. Mas Agnetha nunca pensara em resistir. Jamais. Depois as coisas
podiam ser pior se ela contrariasse o destino. E o destino era o amor. O sexo.
É tudo a mesma coisa, afinal. Só pode haver sexo com amor e o amor só acaba bem
com sexo. Achava ela. Tinha lido esse comentário na “Astrid”, a “Maria” sueca,
e subscrevia. Envolveram-se os dois numa noite a sós no meio do chão, rodeados
de flores e velas, parecia que estavam num unplugged. Agnetha achou que foi
“uma magnífica noite de amor”; o espanhol considerou que fora “un follazo, tío,
te lo cuento...”. Demoraram-se tanto que Björn apanhou-os no regresso ao
camarim e, ainda meio atarantado, questionou “Mas quem é este gajo?” “Este é...
este é um tipo que ia a passar... é óptimo mas não sei como se chama...” “Hola,
soy Fernando, qué tal?” “Fernando?”, rosnou Björn. “Então mas não vieste curtir
connosco para ficares aqui sozinha com o chico?” “Ora, Björn, que é isso? Estás
com ciúmes?”. Björn rodou lentamente a cabeça , como um autómato enguiçado, na
direcção de Agnetha. E pôs-se a sorrir, restaurando o seu costumeiro aspecto de
tolinho. “Eu? Não!... Um sueco não tem ciúmes”.
Os discos de ouro começaram a
acumular-se. Empilhavam-nos nos salões das suas mansões entretanto adquiridas e
fodiam em cima deles. A Anne-Frida cortou os lábios vaginais quando pretendeu
introduzir um disco de ouro austríaco dentro de si, reforçando a pertinência do
seu nome. Benny ia para os pacatos parques de Estocolmo distribuir discos de
ouro aos patos no lago. Agnetha espetava discos de ouro nos olhos como
tratamento de beleza alternativo ao pepino. Björn praticava tiro aos discos de
ouro aos fins-de-semana num bosque para os lados de Malmö. As coroas suecas
enchiam-lhe os bolsos e enrolavam-nas para cheirar droga, como deve ser. “Money,
money, money!” “Ena pá! Grande ideia! Tipo Pink Floyd mas sem ser Pink Floyd,
estás a ver?” “Muito bem; e se eu começasse com o piano, entravam as duas ao
mesmo tempo, a Agnetha e a Anne-Frida...” “Eu posso tirar as cuecas!” “Cante,
Anne-Frida, cante como você sabe.” “Temos êxito?” “Temos êxito!” “Fodamos então
sobre os discos de ouro!” “Sim, sim! Fodamos!” E era assim tão fácil, numa
cadência avassaladora de sucessos e orgasmos em simultâneo. Ligava-se o rádio e
lá estavam eles, da Rodésia à Birmânia, da República Democrática da Alemanha ao
Zaire. Se houvesse rádio nesses lugares, bem entendido. Em todas as discotecas
e em todas as revistas estavam presentes. Tornaram-se familiares, possuir um
disco deles era quase tão obrigatório para a inserção social dum indivíduo como
usar perfume patchouli. “We’re bigger than Jesus!” “Espera aí, alguém já disse
isso... não podemos usar essa ideia...” “E se deixássemos isso para um lado B?
Para um single de Natal? Tem Jesus no nome...” “Eu posso enfiar objectos pontiagudos
no cu, sem problema!” “Hmm... Se calhar nesta situação ajudamos a Anne-Frida,
não acham?” Estenderam a passadeira no Atlântico e foram conhecer o sonho
americano a bordo dum avião da SAS. Com direito aos estupefacientes, álcool,
charutos cubanos e os escravos sexuais que quisessem. Espalharam charme de
costa-a-costa, os americanos consideravam-nos algo exóticos mas altamente
credíveis como eventuais parceiros sexuais e não tinham problema em investir
neles. Casais a cantar estavam na moda. “Há uns tipos que estão mesmo a vender por
aqui agora que são os Fleetwood Mac”. “Fleetwood Mac? Que é isso?”
“Aparentemente, há dois casais na banda que se estão a separar... e a cena é
que isso ainda os torna mais famosos.” “Horrível!” “Como são capazes?” “Não são
nórdicos...” Sim, eles chegaram ao topo do mundo. Os egos estavam nos píncaros.
Dali de cima observavam tudo muito difuso e longínquo. No Evereste da ilusão,
as nuvens são de algodão-doce, os dias são todos solarengos e os anjos têm sexo
e são marotos. Pelo menos, foi o que Anne-Frida contou numa entrevista à Västmannagatan,
a Rua Sésamo lá do sítio . O resto da gente apenas podia roer-se de inveja.
E um dia, ao chegar a um ensaio,
Björn disse “eh pá, hoje não vamos tocar a “Fernando””. “Como assim? Um dos
nossos maiores sucessos?” “Não sei, não gosto muito do tom dessa canção, não
traz boas vibrações, já está muito batida... Vamos antes tocar a “Waterloo”, um
clássico... que acham?”. Agnetha ficou tão escandalizada que terminou o que
estava a fazer com umas bolas chinesas. “Como podes tratar tão mal a “Fernando”?
Que mal ela te fez?” “Estou... estou farto de tocá-la todas as noites. O refrão
já enjoa.” Benny parou de se masturbar e tentou a diplomacia “Bem, se calhar
tocamos a “Chiquitita”, que é bem aceite por todos e logo se vê...” Agnetha não
se ficou. “Porquê a “Chiquitita”? Eu nunca vi nada de especial nessa!” Benny
explicou “Acho que é uma canção bem arranjada, excelente título, o público
gosta.” “Tu gostas da canção porque ela te lembra a espanhola que andaste a
comer lá na Eurovisão aqui há atrasado!”, disparou Agnetha, incapaz de
controlar a verborreia devido aos opiáceos no corpo. E Björn “Tu comeste uma espanhola
chamada Chiquitita na Eurovisão em segredo?” “Sim... não disse nada porque foi
algo muito íntimo que não se voltará a repetir... e para não ferir mais a
susceptibilidade da Anne... Chiquitita era uma jovem muito púdica e reservada,
penso que se inscreveu num mosteiro...” Mas Anne-Frida avançou sem rodeios
“Pfui... Quem andou a papar a Chiquitita depois fui eu e ainda tenho o contacto
dela, ‘tás a compreender, Benny? Ela está em Ibiza, percebes? E tenho polaroids
dela nua.” Benny ficou indignado com a surpresa “Você anda enrolada com a menina
Chiquitita, Anne-Frida?” “Bem boa, a Chiquitita... you and I know.” Björn
sorria, mesmo estando a agastar-se “Oh Anne-Frida, francamente... Achas bem
andares por aí a tesourar às escondidas? Não somos suecos? Isto não era para
ser tudo às claras?” “Ei, eu não sou a tua mulher, por isso poupa-me os
sermões, pá!” “Mas foste tu que deste nome ao meu caralho!” E Agnetha desabou
em lágrimas. “Parem! Parem! Deixem-me sofrer sozinha!” Benny não disfarçou o
incómodo “Veja se controla as criancices da sua fêmea, sr. Ulvaeus. Torna-se
insuportável!”. “Eu sei lá se ela é minha mulher ou não, caraças! Quem sabe?
Ela já rodou por metade do mundo!” “Ahahahah, vocês são ridículos!”, glosou
Anne-Frida enquanto acendia um cigarro na patareca. “Cale-se imediatamente,
Anne-Frida!” “Não fales assim com ela! Bruto!”, reagiu Agnetha. “Só reages para
estas coisas e para o Fernando não é? E eu? Que te tirei do buraco? Há quanto
tempo não me engoles a esporra, Agnetha? É tudo por causa disto?” “Mas eu
continuo a engolir a esporra, o que estás para aí a dizer?” “A minha eu sei que
ainda engole...”, confessou Benny. Anne-Frida disponibilizou-se “Pá, não seja
por isso, eu engulo-a na boa. Mas a do Fernando sabia melhor”. Agnetha não se
controlou “O doce e terno Fernando? O que jurou que jamais olharia para outra
mulher que não eu?! Oh, infâmia!” Björn enfureceu-se. À gargalhada, totalmente
a despropósito. “Pois bem, que se lixe... eu vou sair daqui e partir uns discos
de ouro enquanto os há e vocês podem ir foder o resto da Espanha!” Bateu com a
porta e Anne-Frida esmagou um gira-discos no chão “Foda-se! Puta que pariu esta
merda toda!” Benny escondeu as mãos na cabeça, derrotado sobre o piano. Agnetha
chorava e cheirava cocaína em simultâneo até as lágrimas tornarem o pó numa
espécie de papa. A ressaca chegara sem avisar, com um estrondo condizente com o
estatuto e a pedrada deles todos.
Ninguém ficou para recolher os cacos
daquelas relações. Afinal, são suecos. Eles ao fim de umas semanas já estavam emocionalmente
recompostos, sem ressentimentos. Além do mais, a fama permanecera e o
efeito-Fleetwood Mac provara-se verdadeiro. Já só era preciso dormir à sombra
da bananeira, como o Benny tanto gostava. Os royalties eram tantos que podiam
oferecer kits de ferramentas Husqvarna às aldeias de lenhadores do condado de Gävleborg
todas as semanas por beneficiência e publicidade, até eles começarem a
enlouquecer com tamanha acumulação de correntes, serras e machados e desatarem
numa natural espiral de assassinatos sangrentos. O dinheiro ajudou a comprar
drogas que por sua vez ajudaram a esquecer as turbulências do passado. E eram
drogas das boas, mas o passado deixa sempre um resíduo indelével, como
ficheiros fantasma perdidos num disco a ocupar memória. A Anne-Frida
precaveu-se e passou só a frequentar galas da alta-sociedade e a relacionar-se
com elementos da nobiliarquia europeia. Conseguia comprar os convites com moeda
e também com recurso à sua abertura sexual. Ia para os palácios da Baixa
Saxónia construir cenários semelhantes aos do “Eyes Wide Shut”, mas sem
máscaras nem planos cobertos, era luxuoso e totalmente explícito. Tinha sempre
o seu saquinho de pó consigo para mandar uma fungadela rápida e gostava que a
tratassem por “Condessa”. Houve um ponto em que finalmente aderiu à depilação
genital. Björn regressou ao circuito de bares de madeira com cabeças de animais
penduradas nas paredes, fornicando aqui, bebendo acolá, viveu com algumas
mulheres, aperaltou-se mais, viajou de mochila às costas pela Lapónia, adoptou
uma ninhada de lemingues que não foram a correr para o penhasco, enfim, andou
por aí como um gajo normal com milhões de coroas em bancos suíços. Agnetha foi
em busca de Fernando, mas Fernando agora chamava-se Angelita e morava com um
sujeito a quem chamavam Nacho em Benidorm. “Perdona”, foi tudo o que ele/a foi
capaz de dizer, com as lágrimas a esborratarem toda a sua excessiva pintura
facial. Agnetha recolheu-se então à sua Jönköping natal para tratar do jardim,
animais de estimação e da sua estimulação sexual a um nível espiritual. Casou,
descasou, teve filhos, netos, crias de cavalo e tornou-se numa senhora
responsável que só entrava em festas de swing se todos usassem preservativo e
mostrassem os seus exames médicos efectuados nos seis meses anteriores. Recusou
muita gente só porque apresentavam exames com sete meses ou porque tinham o
nível de triglicéridos demasiado elevado. Um dia Benny ligou e marcou um
inesperado encontro a quatro. “Skårg jöp! Nem vão acreditar na proposta que tenho em
mãos... Hollywood quer fazer um musical inspirado em nós!” “Um musicol? A
sério? Adoro musicóis!” “Quais são os termos do music hall, Benny? Quem vai
entrar? Quanto nos pagam?” “Okej, conta mais, deixa-me só mudar a pilha do
vibrador”. Benny estava entusiasmadíssimo. “Portanto, para ser sucinto: sim;
muitos milhões de dólares; o James Bond e a Meryl Streep. E depois Broadway.
Sempre a facturar. Só temos de dizer sim. Como é que é?” Perplexos com o que
ouviam, os restantes elementos sentiram o coração a mil. “Como é que é isso? É
dizermos que sim e passamos de porcamente para estupidamente ricos?” “O James
Bond? Vou papá-lo nos Óscares”. “Eh pá, ó Benny, a sério que não arranjaste
nada melhor que a Meryl Streep? Quer dizer, dá prestígio... mas podia ser outra
coisa, não sei se estás a ver...” Benny não queria entrar em delongas. “Preciso
de uma resposta rápida. Nós nem precisamos de estar juntos muitas vezes... Só
precisamos de aparecer ocasionalmente. E rir muito, para ajudar a vender junto
do público-alvo.” Ao ouvir aquelas palavras, o reflexo de Björn foi sorrir
outra vez, com uma renascida patetice que há anos se eclipsara do seu rosto
entretanto actualizado. Agnetha parecia uma garota aos saltinhos com a
Anne-Frida. “Estás a ouvir isto? Vamos ser imortais!” “E ricas! Ricas como
tudo!” E com toda esta exaltação e proximidade física entre ambas, a velha
química despertou do seu longo torpor e elas começaram a beijar-se loucamente
na boca, com a língua, afagando os cabelos de forma desabrida, sentindo os
glúteos, apertando os seios, numa torrente incontrolável de desejo súbito.
Björn virou-se para Benny a dar uma de engraçado “Bem, penso que estamos todos
de acordo, não é?” “Correcto. E se nos juntássemos às duas meninas que estão
ali com o fogo no corpo? Que pensa disto, sr. Ulvaeus? Pelos bons velhos
tempos... Sente-se em forma?” “Sim! Vamos a isso, Benny!” E Benny e Björn removeram
calmamente as suas roupas, sempre olhando para Agnetha e Anne-Frida, que se
rebolavam selvagens pela relva daquele parque público numa idílica tarde de Verão
sueca, assustando os incautos esquilos.