16 fevereiro 2012

Chris Lowe

O gajo que aparece na foto é o Chris Lowe dos Pet Shop Boys. Os Pet Shop Boys são ícones gay. Concedo. Parece evidente e inquestionável. A verdade é que também são indissociáveis da melhor música electrónica que se fez nos anos 80. A música era tão boa que, hoje em dia, se tivermos que escolher uma banda-sonora para os anos 80, alguma coisa dos Pet Shop Boys terá de ser escolhida, sob pena dessa banda-sonora ter a credibilidade semelhante à do João Ferreira a apitar um jogo do Sporting. Pode ser “West End Girls”, “Suburbia” ou “Rent”, eles capricharam, há que reconhecer com a masculinidade, também inquestionável, que me assiste.
Isso faz dos anos 80 uma década gay? Muito provavelmente, sim – parece que os armários explodiram nessa década. Não só gay, como implicitamente pedófila, ou não fosse a década onde uma grande quantidade de videoclips conta com crianças a dançar no meio de adultos, vestidas como gente grande e agindo como se não fossem três réis de gente – e estou a pensar especificamente em “Open Your Heart” da Madonna –, de uma forma tão enjoativa quanto questionável à luz dos preceitos vigentes no século XXI. Ou então eram os adultos a infantilizar-se despudoradamente, o que é igualmente válido. O dançar dos anos 80 também é assim um bocado para o gay, bem como as cores das roupas, os penteados e os carros vermelhos por todo o lado. Portanto, se eu tivesse que eleger o pináculo da primazia gay na cultura pop, esse zénite (que não de S. Petersburgo) seria os anos 80. Isto do casamento gay é apenas uma iniciativazita da esquerda caviar sem nada para fazer do século XXI, nem sequer faz cócegas ao massivo choque visual dessa década.
Mas chega de paneleirices, porque eu estou aqui para escrever sobre a similitude de um tipo que conheço face ao Chris Lowe. O curioso é que ele não é fisicamente parecido. Em nada. Nem sei se será gay ou não, não me importa. A parecença está na postura: assim como o Chris Lowe mexia-se o menos possível e conservava sempre um ar circunspecto sem nunca esboçar um esgar que fosse, este tal gajo era igual. Dele não esperaríamos um sorriso para a foto. Jamais. Sempre sisudo. Não confundir com “estar de trombas”. Nada disso; geralmente, sabe-se quando alguém está de trombas: é quando está pior que o normal. Mas a normalidade dele era mesmo aquela: nenhuma emoção.
Contávamos anedotas às quais ele não reagia. Conversávamos durante horas sem ele intervir. Mostrávamos-lhe coisas giras à qual ele respondia “bela merda!”, acendendo um cigarro e colocando a outra mão no bolso com desdém. Embebedávamo-nos e ele, embora mais expansivo e quiçá sorridente, não alinhava com as paródias do pessoal. Falar alguma coisa para ele era falar muito. Era um outsider puro. Gostava de ser um outsider, um solitário, um Dirty Harry sem pistola mas com um Zippo. Acho que se esforçava a fundo para sê-lo. Mas não era má pessoa de todo. Tinha algum sentido de justiça. Partilhava com quem não lhe chateasse muito, mas era inflexível com quem o chateasse demais – era capaz de estar anos sem dirigir uma palavra que fosse a um tipo com quem tivesse tido uma questiúncula de meros cêntimos. E de certeza que esse gajo nunca mais viria a recolher as suas parcas boas graças. Era ressentido, é verdade. Não esquecia quem não lhe apreciava. Fosse homem ou mulher. As gajas nem desgostavam dele, mas ele também não sabia propriamente aguentá-las durante muito tempo. Ele queria era apalpá-las logo nos primeiros minutos. Se elas deixassem, tudo bem, podia haver relacionamento; se elas o repelissem, ele diria “que sa foda!” e voltava a fumar um cigarro em silêncio.
Escusado será dizer: este Chris Lowe, este monumento à inexpressão pouco empático, não tinha muitos amigos. Os verdadeiros amigos, segundo conseguíamos perceber, não éramos sequer nós, eram tipos que viviam lá para trás do sol-posto. Aliás, a verdadeira ambição dele era fugir daqui e ir para lá, onde tudo era bom e bonito e ele uma pessoa interessante e proactiva – segundo palavras do próprio; o velho truque do “eu sei onde é o paraíso, mas é tão secreto que eu não estou autorizado a levar ninguém comigo”. Havia sempre qualquer coisa de extraordinária nessa terra das impossibilidades, das poucas histórias que nos contava. Eram quase sempre as mesmas histórias, com as mesmas personagens e no mesmo sítio. Uma coerência e previsibilidade monstruosas. E nós só tínhamos que acreditar que, lá longe, ele seria bem diferente e tudo o que se passava aqui era um tormento, explicando assim a sua atitude. E as coisas nunca mudaram muito, embora, com o tempo, víssemos fotos no Facebook e até no Hi5 nas quais o seu rosto fechado continuava predominante, mesmo naquelas com os “grandes” amigos e naquela “grande” terra. Ou então era ele a manter a pose. Pouco provável. Depois acabou com qualquer vestígio de rede social. Pelo menos na Internet. Mas na vida real não devia ser muito diferente.
Com os amigos que tinha, gostava de ir para os copos e criar uma certa intimidade dentro de limites muito estreitos e bem definidos. Talvez sonhe com uma viagem ao Brasil e descobrir assim o eldorado da feminilidade que costuma suceder nestes casos de solidão crónica. Mesmo que seja uma solidão meio auto-imposta. Talvez. Desde que isso não lhe afectasse muito a rotina. Vivia com frugalidade – imitações espanholas ou de feira de alguns produtos serviriam, se fossem bem feitas e monetariamente vantajosas. Se fosse necessário, vestia roupa usada pelos amigos. Nisto não seria bem um Chris Lowe, que, como estrela pop – ou integrante de um duo que era sensação pop – não iria vestir nada que fosse vestido, sei lá, por um Limahl. Mas isto digo eu. Só sei que na postura física este gajo era o melhor imitador possível do Chris Lowe, sem provavelmente sabê-lo.