04 julho 2022

Bryan Adams



Se quisermos simplificar, o Bryan Adams tem duas fases distintas de carreira: quando ainda só era levemente bexigoso e quando a sua cara se tornou numa espécie de campo lunar. Não sei se é dos genes do Canadá, da sua costumeira falta de sol, mas aquela pele mete dó. Não é um Balsemão, não dá para a escamagem, mas com o tempo o Bryan ainda se torna a nova mascote da 5-a-Sec. Pode ter sido da vida do rock n’ roll, mas francamente, depois do Robin Hood o Bryan afundou-se na mediocridade das baladonas, dos convidados e dos unpluggeds que, enfim, garantem uma boa reforma, devemos reconhecer, mas dificilmente representaram perigo à sua integridade física.

O Bryan ainda teria algum rasgo de criatividade até meados dos anos 80, mas depois os rasgos ficaram-lhe todos na cara e foram literais. Uma guitarrada orelhuda aqui e acolá numa época de optimismo e de pouca exigência asseguraram-lhe um lugar permanente das playlists das discotecas em modo revivalista. O próprio Nuno Markl, perito destas coisas, não dispensa uma malha ou outra do Bryan e prega a sua palavra aos seus acólitos, mantendo o espírito do Bryan, do bom velho Bryan que parecia ser o nosso primo mais velho e que usava ténis fixes por altura do “Reckless”, vivo com a saúde possível.

O Bryan, imaginado como um primo dos anos 80, pode ser um conceito que envelhece mal, como a pele do próprio Bryan. Dantes julgávamos que seria um tipo fixe, até tinha passado parte da juventude em Portugal, tínhamos um elo de ligação, mas agora tenho para mim que o Bryan em pessoa não seria um gajo interessante. Não tem a ver apenas com a qualidade musical, mas também com uma certa atitude que por vezes não cai bem, que é envelhecer e perder o brilho. Com piadas otárias sobre o Ontário, conversas sobre hóquei no gelo, ainda usando blusões de ganga e transpirando muito. Mas com uma voz rouca que lhe dá credibilidade. As pessoas ainda só o aturam porque ele diz coisas parvas com muito estilo. E por isso ainda lhe editam best-ofs e marcam-lhe concertos em casinos só para baronesas enfastiadas assistirem.

Isto tudo porque me lembrei que tive uma colega minha que, para aí com 12 ou 13 anos, confidenciou, com total naturalidade, que foi convidada pelo Bryan Adams para o seu camarim e passaram uma tórrida noite de amor. Naquela altura admitia-se a pedofilia como uma daquelas coisas que podiam acontecer. Acho que isso fazia sentido na cabeça dela. Era a expressão dum sonho com algumas camadas de complexidade, em que ela pensou nos passeios idílicos que deram, nas bonecas que ele lhe presenteou, no algodão-doce que comeram e nos beijinhos que trocaram. Embora ela tenha dito que “fizeram tudo”. E tudo antes do concerto, que ele obviamente lhe dedicou quando subiu ao palco, apontando para ela num foco saído do palco, com tudo em histeria. Estávamos, portanto, na fase em que o Bryan ainda seria moderadamente bexigoso.

Naquela época era fofinho contar isto e hoje seria um escândalo. É essencialmente um pedaço de fantasia adolescente que soa embaraçoso agora, como outros da mesma igualha. O Bryan para mim não é pedófilo. É bexigoso, não faz nada de jeito há anos, mas não desposa criancinhas. Só faz mal aos ouvidos e bem a DJs preguiçosos. É aquele primo que já não é fixe, porque nós também já conseguimos ter coisas, mas também já não nos irrita assim tanto com baladas, porque já não há muito espaço para ele.  Já fez tanta coisa confrangedora que no saldo final da sua carreira não sabemos bem se devemos valorizar a sua energia inicial ou carregar no lado aborrecido que se seguiu. Enquanto ponderamos, o Bryan vai escavando mais uns sulcos na sua cara como só ele sabe.


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