24 dezembro 2012

Peter Griffin



Uma pessoa vê o Peter Griffin e pensa logo, “ena pá, vem aí um fartote de riso”. Mas não. Este post não vai ser engraçado. Porque eu conheci um Peter Griffin na realidade e a realidade não é sempre engraçada. É verdade. Há sempre um ou outro acidente mortal que envolve gente do mais inocente que possamos pensar, violações e injustiças que tiram o sorriso até ao mais negro dos humoristas, só a título de exemplo. A realidade pode ser uma grande seca e mesmo aquele gajo que pisou a casca de banana pode ficar paraplégico e é afinal teu familiar ou amigo. Este gajo que eu conheci era a figura chapada do Peter Griffin. Mesmo. Eu chamava-lhe “o Family Guy”, só para que as pessoas o pudessem situar melhor. “Aquilo que dá na Fox a seguir ou antes dos Simpsons”, explicava, mas a maioria do pessoal “Aaah… Pois…”, como se os próprios Simpsons fossem para criancinhas ou atrasados mentais. “Os meus filhos é que gostam de ver esses bonecos”, atiravam com o paternalismo próprio de quem já está muito à frente na escala de evolução humana e eu, desarmado, sentia-me um padre a pregar a peixes surdos, mas com muito menos sucesso que o António Vieira. Tudo bem, um gajo habitua-se. Eu evitava chamá-lo de Family Guy directamente, porque o gajo tinha quase dois metros de gordura e brutalidade. Estava lá tudo. Era bem gordo, bastante gordo, com aquela barriga característica do Griffin que lhe tapa os genitais. Eu acho que este gajo já nem sequer via os seus genitais ao espelho, tamanho era o volume daquela pança. É das coisas mais deprimentes que me posso lembrar, se bem que em desenho-animado até tem a sua graça e evita censuras. Tinha a cara papuda, com aquele queixinho dividido em dois como um par de testículos. E esta metáfora não deve ser inocente. Acho que grande parte dos desenhadores trabalha a melhor maneira de colocar formas que não seriam publicáveis em contextos insuspeitos. O cabelo era um pequeno tufo lá no topo, penteado para o lado e até a com a mesma cor do cabelo do Griffin. Também possuía uns óculos fininhos. E para completar o ramalhete, também tinha um riso bastante característico, embora não tão cómico em si mesmo como o riso do Griffin. Não era das pessoas com menos humor que conheci, mas só era engraçado por acaso, não calibrava bem as suas “punch-lines”. Talvez o seu humor se assemelhasse mais ao de um Fernando Rocha sem tanta sexualidade envolvida e sem o sotaque de parolo. Ou seja, era um sentido de humor sem grande grau de refinação e sem os predicados essenciais do humor sem classe, deambulava por ali na terra de ninguém. Se tivesse que definir as suas deixas, diria que eram para o desbragado, boçal e providas de insensibilidade social. A sério, era difícil haver uma versão sem fins humorísticos do Griffin mais notável que aquele gajo. Em si mesmo, ele era uma personagem. Dele se esperavam as perguntas mais inquestionáveis e as tiradas mais socialmente repreensíveis. Mas tudo sem a verve dos bem-humorados. Era mais defeito que feitio. Como do género “viste a preta hoje? Acho que ela já se cansou desta merda e foi curtir os petrodólares lá para a Avenida da Liberdade”, com a preta a passar logo atrás dele. O que não queria dizer que ela não estivesse efectivamente farta daquela merda e preferisse gastar a sua fortuna na Avenida da Liberdade. Era apenas o desbocado da situação que havia a registar. Era assim, propenso a embaraços involuntários, sempre a fumar, o que lhe proporcionava aquela voz característica dos fumadores, tipo Gilberto Madaíl. Uma rouquidão e uma tosse com uma certa dose de gosma claramente mais irritante que sensual, que era adjectivo que nunca se lhe poderia aplicar. A saúde física dele não devia andar lá muito bem. E ele também não parecia preocupar-se muito com isso. Falava em molhos, bifes e bebidas com grande certeza. Dizia que já tinha feito isto e aquilo, tinha planos para qualquer coisa mais e notava-se que não era parvo de todo. Seria intelectualmente mais apto que o Griffin, devo reconhecer, apesar de tudo. Devia provir de boas famílias, pese embora o aspecto e a rudeza. Era desembaraçado, apesar do peso, e metia conversa com qualquer um, desenvolvendo uma proximidade inquietante com alguém que acabara de conhecer. Denotava alguma esperteza. O problema estava todo no estilo. Era difícil alguém levar-lhe muito a sério ao fim de cinco minutos. Ainda para mais os aficionados do Family Guy. Se calhar o Seth MacFarlane travou contacto com ele há alguns anos e surgiu-lhe a ideia do Griffin. Parece-me plausível, embora Griffins devam haver em barda pelos EUA. Dizia que tinha filhos e eu lembrei-me logo de um Chris Griffin com um macaco mau no armário. Imaginei-o a peidar-se na cara da sua Meg. Conjecturei que a sua mulher seria pouco menos que perfeita, uma Lois sempre disposta a manter sexo com ele, por muito mórbido e inestético que parecesse. Nunca aceitei convites dele para aceder às suas redes sociais. Mas isto porque também não sou grande adepto das redes sociais, o que me faz um potencial assassino em série, como já li para aí algures nalguma publicação online – “ah, não estranha que o gajo desatasse a matar tudo o que lhe aparecesse à frente, porque o gajo vivia num sótão, a jogar Call of Duty e sem Facebook, logo, quando saísse de casa iria vingar-se de todos os pedidos de amizade que lhe fizeram e aos quais não acedeu”. De qualquer forma, eu preferia ser amigo do verdadeiro Peter Griffin. Pela graça em si e porque sempre daria para tomar conhecimento em primeira-mão de grandes combates entre ele e uma galinha maligna.
Este Griffin, de galinhas, devia conhecer apenas os ossos que deixava no prato, depois de enfardar uma meia-dúzia de uma só vez. A sério, este gajo foi o sósia mais equivalente e grotesco que alguma vez conheci. Tinha era o grande senão de não ser tão engraçado como podíamos pressupor. Uma pequena diferença que fazia toda a diferença.