13 agosto 2014

Andrea Pirlo

É curioso um dos melhores médios criativos da actualidade chamar-se Andrea. Não há nenhum ponta-de-lança de renome chamado Jessica nem algum Samantha a despontar enquanto central de marcação. Isto embora já tenha existido um Amelia a guarda-redes. Isto no mesmo país do Andrea, a Itália.

Pois, lá na Itália, Andrea é nome de gajo. Na Rússia, Nikita também é nome de gajo. O Elton John, esse paneleirão de gema, sabia disso quando construiu o seu grande êxito dos anos 80. Quem não sabia era o realizador do videoclip, que genuinamente pensou, como a maioria da população ocidental, que Nikita era sinónimo de russa loura com a pele lisinha. O Elton John, ainda meio encravado à saída do seu armário, deixou passar essa interpretação sem discussão. “Achei piada”, disse. Pelo menos, isso fez-lhe parecer um tipo “normal” para o grosso da sociedade. Eu incluído, que não percebia nada de paneleirices nem da Guerra Fria naqueles tempos, mas que achava muita piada às trocas de passaporte entre o Elton e a “Nikita” no videoclip, sem perceber que o que o Elton queria mesmo era um russo alcoólico e bruto tipo Zangief, perdoe-se a redundância, a dilatar-lhe os entrefolhos. O Elton deixaria, contudo, mais um rabo de fora – passe a expressão – e recrutou o gay emergente George Michael para os coros de “Nikita”, só para que, em retrospectiva, pudesse dizer “mais gay do que isto não posso ser, desculpem lá”. Podia, era só ter convidado o outro George, o Boy, que era o que de mais espampanantemente gay havia à época.

A Itália é também o lugar do mundo onde os jogadores continuam a ser titulares mesmo que já tenham mais de 35 anos, isto se exceptuarmos aqueles fenómenos dos Andes que se arrastam pelo terreno de jogo já contando uns 80 e tal anos e que ainda mantêm esperanças de serem chamados às respectivas selecções nacionais. Quando lhes perguntam a idade eles nem sabem responder ao certo, estimam que já tenham 122 anos segundo um calendário indígena e os seus tetranetos já denotam Alzheimer e tudo, como para provar a acuidade das suas projecções. Há quem alvitre que a receita para esta longevidade provém das folhas de coca. Na Itália, o segredo deve estar na massa. O Marco Bellini é que sabe. Afinal, ele inventou o oráculo e as pizzas ultracongeladas. É o mais próximo do Da Vinci renascentista que temos. Mais próximo dos Da Vinci portugueses do Festival da Canção 1989 é que não temos ninguém. Não há quem saiba ou sequer se recorde do magnífico refrão de “Conquistador”. Será que a Lei Or ainda está aí para as curvas para fazer uma sessão fotográfica como a Dora? A Dora é MILF. Está atulhada de silicone e Photoshop, mas ainda assim é MILF. O Pirlo é igualmente uma espécie de MILF dos relvados, salvaguardadas as devidas distâncias.

O Pirlo joga com ar de desdém, com aquela barba cada vez mais hirsuta a conferir-lhe uma aura de sapiência tranquila. Espalha a sua fleuma pelos relvados em forma de passes milimétricos. Já sabe, qual aranha manhosa, por onde a bola vai circular na intermediária e confina-se a esse espaço. Ele já pensa muito mais que corre. Ele racionaliza e distribui, marca bolas paradas com naturalidade e precisão sem desenhar manobras preparatórias quase burlescas. Com aqueles olhos desapaixonados, ele só precisa de um relance para determinar para onde e quando largar a bola, enquanto outros precisam de ir até esse sítio ou perdem a bola ao tentarem pensar. Dispensa gel no cabelo, o cabelo nele é como a bola nos seus pés: um organismo livre e solto. Ele agora consolida a imagem de omnipresença subtil que foi construindo ao longo dos tempos. Ele pode ser “um velhote”, mas já vinha jogando “à velhote” há algum tempo. E ainda vai durar mais um par de anos ao mais alto nível.

A verdade é que conheço de vista um tipo com a cara do Pirlo sem barba e com cabelo ainda mais comprido. Eu diria que é informático, pelo código de vestuário que pauta este subgrupo humano. Que é descuidado e completamente fora de moda, com uma ou outra habitual referência a uma série, filme ou coisas que só eles é que entendem e acham graça. E porque está sempre a mexer no seu smartphone com a mochila às costas. Se calhar nem é informático de todo, é apenas mais um pobre diabo perfeitamente incaracterístico dos dias que correm. A “souplesse” do Pirlo a tratar o esférico tem correspondência na forma calma mas despachada como o tipo exercita os seus polegares no touchscreen. O tipo passaria completamente despercebido não fosse o meu olho de lince, que vai funcionando esporadicamente, detectá-lo uma vez mais no mesmo interface. Eu acho que mereço algum crédito, afinal descobri quem foi designado como sósia nº1 a nível mundial do Príncipe William num comboio. É verdade. Não tenho forma de prová-lo agora, mas acreditem que é verdade. Já neste caso, aquele nariz, aquela boca e, como seria evidente, aquele desolado olhar seco colocam este inexpressivo anónimo na linha do bom velho Andrea.

O que eu sei é que nunca mais vi o sósia internacionalmente reconhecido do Príncipe William desde que ele se alcandorou ao estrelato. Ele agora deve ser só participações em spots publicitários e outros actos mediáticos. Cá para mim, mudou-se para Albufeira para explorar os bifes bêbados com aspecto a lagosta, que irão pagar-lhe copos e pagar para tirar fotos com ele, ao mesmo tempo que lhe dedicam cânticos hooliganescos de caneca na mão com aquelas barrigas mais infinitas que a quantidade de sardas que exibem na cara. Eu cá continuo a ir de comboio para o mesmo sítio. Apesar de tudo, acho que estou melhor que ele.

30 maio 2014

Seal

Não há apenas uma pessoa parecida com o Seal. Eu já vi vários e conheço alguns. Na verdade, todos os pretos são parecidos, desde que rapem a carapinha e não sejam etíopes desnutridos com maçãs do rosto extremamente salientes. São eles e os chineses. É um facto assente no nosso senso comum ocidental. Há sempre aquela estrutura comum nos pretos que, dependendo da maior ou menor composição muscular, os cataloga entre porteiros de discoteca, tipos do bairro ou obesos com a finalidade cómica de imitarem a bola 8 do snooker. A preta distingue-se do preto por ter um carrapito na tola. Simples. Depois o que muda é o tom de escuridão, que pode ir do café com leite de Cabo Verde – ou café com bagaço, talvez seja mais apropriado –, ao 100% cacau da Guiné. É isso que os diferencia quando tiram fotografias sobre um fundo escuro, se vai ser visível o seu rosto ou se apenas os dentes impecáveis e os olhinhos com um bocadinho de branco, como se fossem aquele gato maluco da Alice no País das Maravilhas, do qual não sei o nome e não me apetece ir pesquisar. No fundo, é uma estratégia de camuflagem enraizada na génese dos tempos: toda a gente sabe que lá em África os felinos costumam atacar à noite, daí a lógica.

O Seal, porém, não quis ficar igual à restante maralha de magrebinos e subsarianos. Porque ele é uma estrela do entretenimento que papa louras e faz filhos mulatos que têm tudo para serem jogadores de futebol excepcionais pelas suas intrincadas complexidades genéticas. Isto é, ele corporiza o “american dream” dos pretos. Como tal, o Seal tem uma particularidade diferente dos demais pretos: possui cicatrizes enormes. Noutro contexto, seria um “scarface” medonho. Mas como fica mal ostracizar minorias e há sempre aquele complexo de culpa latente nos brancos, então as cicatrizes até lhe conferem um aspecto sexy. Perguntem à Heidi. A Klum, não a menina dos Alpes, que esta se visse um preto era capaz de ir perguntar ao avô para ir ordenhá-lo. Sim, porque lá para a Suíça não se vêem pretos amiúde e não estou a referir-me às fotografias tiradas à noite: os pretos simplesmente não vão para lá porque os suíços não apreciam imigrantes e, valha a verdade, os pretos no meio da neve dão demasiado nas vistas e o Gelson Fernandes já lhes sobeja no que a negróides concerne.

E porque é que o Seal tem aqueles rasgos indisfarçáveis na tromba? Pode ser o segredo mais bem guardado do mundo a seguir ao 4º milagre de Fátima, que funcionou como uma espécie de “bonus track” dos três segredos originais, autênticos “hits” católicos do século XX, e que era o segredo que toda a gente queria mesmo ouvir, como é comum ocorrer entre os mais devotos a uma causa. Mas eu tenho uma explicação: o Seal é canadiano ou passou uma temporada no país da folha de plátano. E, como toda a gente sabe, no Canadá apreciam chacinar focas. “Seal” é “foca”, numa tradução literal, caso não saibam. Pois é, no Canadá, à falta de melhor para combater a modorra de invernos intermináveis e porque não dá para jogar hóquei no gelo “outdoor”, juntam-se umas foquinhas inocentes nas praias gélidas deles e, catrapumba!, dá-se-lhes um arraial de porrada com o auxílio de umas pás afiadas. É um massacre aberto a miúdos e graúdos. Tudo lhes serve. A fome de emoções fortes é tanta que chega-lhes apanhar uma foca mais distraída que esteja à mão de semear. Depois laceram-lhes o focinho, devastam-lhes as entranhas, limpam o sangue nos restos mortais e seguem para a próxima foca. Que até pode ser bebé. É limpar o sebo a quantas possam, todas ao mesmo tempo, sem remorsos alguns. São apenas focas, seres vivos descartáveis, pensarão os canadianos, é apenas a lei do mais forte a impor-se de uma maneira tão directa quanto cruel e uma espécie de controlo populacional que Deus delegou na ilustre nação que viu nascer os Nickelback. É prazer pelo prazer, assassinato por assassinato. As focas fazem aquelas caras docinhas, quais cães abandonados, e são usurpadas da sua vida quando pensavam que estavam a ir para uma estância balnear. Elas vão ao engano. Quando chegam ao resort, não é preciso muito tempo para perceberem o logro onde se meteram, como se tivessem sido enganadas por um promotor turístico manhoso que publicitava espeluncas sem o mínimo de condições sanitárias como bungalows com vistas maravilhosas para o mar. As focas metem-se para ali de papo para o ar, muito na sua, à espera que alguém lhes venha explicar aquela decepção e depois são brutalizadas num ápice, nem dá para pedir reembolso. Livro de reclamações nem vê-lo e, mesmo que existisse, estaria empapado e ilegível pelas vísceras que saltam em cada golpe desferido com sádico prazer. Acontece todos os anos: focas a atafulharem os areais do Canadá convencidas que, sim senhor, o Canadá é um pais civilizadíssimo, para depois levarem umas quantas pazadas pelos cornos abaixo desses sujeitos tão distintos e tão melhores que os fúteis dos EUA. O Seal, sortudo, teve a felicidade de se safar dessa barbárie e só apanhou de raspão, porque o canadiano que lhe queria chamar um figo estava bêbado e falhou miseravelmente a tentativa de rachar-lhe a cabeça em dois. Isto pressupõe que o Seal migrou em conjunto com as focas, o que é bem plausível, porque se o Tarzan cresceu no meio de macacos, o Seal foi criado por uma foca foragida do circo. E porque não? O Seal adorava o nutritivo leite de foca, de peixinho cru e de banhar-se em águas frias a fugir de ursos polares e por isso é que ficou com aquele corpanzil. Tudo faz sentido. Já o viram a dominar uma bola com o nariz? E a forma como abre uma lata de sardinhas? Irão surpreender-se.


Coitado do Seal? O gajo, para compensar as cicatrizes desse infeliz incidente canadiano, come gajas em barda, encaixa discos de platina com lamechices, desperta os sentimentos instantâneos de simpatia que estavam reservados ao Quasimodo e, aposto, deve ter uma verga monumental. Isto também faz parte do nosso senso comum e da experiência recolhida em vários vídeos disponíveis em sites da especialidade. Coitados são os seus sósias que, só por não terem cicatrizes, estão destinados a serem meras figuras decorativas deste armazém lúgubre em que se tornou a humanidade. Eles e as focas.

27 março 2014

Cristina Areia

Costumo ver com alguma regularidade uma sósia da Cristina Areia. Até julgo que trabalha ao meu lado. A cara é igualzinha. Tem o cabelo mais escuro, o que é pouco mais que irrelevante, tamanha é a profusão de pinturas capilares que circulam por aí e que facilmente dão nova cor às senhoras, tornando morenas com complexos de inferioridade em louras de raízes escuras sem pingo de amor-próprio. Mas é muito mais atarracada, mais larga e não tem aquele par de mamas que celebriza a Cristina. É aqui que a porca torce o rabo.

Ah, a Cristina Areia, um mamalhal nacional e natural, capa da Playboy e tudo. Até pensaram em fazer um filme, intitulado “Who Wants To Be Cristina Areia?”, substituindo o John Malkovich original e simplificando o enredo: Cristinas Areias surgiam em pop-up por todo o lado com as mamas ao léu, ao som de uma música gemida especialmente para o efeito pelo Pedro Abrunhosa. Às vezes só mesmo as mamas é que apareciam. É porque quando falamos em Cristina Areia só visualizamos mamas e por isso poderia reduzir-se a redundância aqui e ali ao longo de uma hora e meia de projecção. E depois haveria um paneleiro tipo Goucha a abrir a boca de espanto para a comic relief. Apenas isso. Já houve filmes piores, como todos aqueles em que a Soraia Chaves entra e não mostra as mamas. Seria um pedaço de entretenimento fantástico, mas houve um desentendimento de verbas com os produtores, a mama esquerda da Cristina julgou que deveria ganhar mais x% que a mama direita, porque estava ligeiramente menos descaída e possuía uma auréola mais geométrica, bem como um mamilo mais eriçado, e o projecto abortou, deixando ao soutien da Cristina o ónus de aturar duas mamas desavindas. Não brinquem com aquelas mamas, aqueles seios têm personalidade, talvez mesmo jurídica, e são eles que determinam o que a Cristina deve fazer e não o contrário.

Esta sósia é, então, uma versão revista e diminuída da Cristina. Enferma de todos os problemas de ser clone da Cristina, como aquela carinha sonsa e aquela forma de colocar a boca quando fala coisas que ninguém tem paciência para ouvir, e de não ser simultaneamente assim tão parecida com a Cristina, como não ter um par de mamas tão avantajado e de ser claramente mais quadrada. É uma existência tramada. Saber que se é parecida naquilo que é acessório e não se é parecida naquilo que poderia fazer a diferença junto da população masculina. Isto é, partindo do pressuposto que ela reconhecer-se-ia como sósia da Cristina, o que é duvidoso. Talvez o melhor para ela seja viver na ignorância. Viver na ignorância, aliás, é condição necessária e por vezes suficiente para ser feliz. Mas também não acredito que ninguém à volta dela não tenha reparado naquela semelhança indiscutível.

Esta sósia sai de casa de manhã, faz sinal para apanhar o táxi e o taxista “eh lá, eu conheço aquela boazona!”, vai todo lampeiro da faixa esquerda à faixa direita para apanhá-la, ignorando as buzinas e as velhotas que atravessavam na passadeira e que por um triz não levaram com a estrela do Mercedes no meio das ancas, e depois pensa com os seus botões “espera lá, ou esta gaja comeu dois hipopótamos ou não é a gaja que eu pensava…”. E não era, efectivamente. Nem o dinheiro da corrida lhe satisfaz, tamanho o desapontamento. Depois ela está no trabalho e todos os gajos querem ver o que está abaixo do pescoço, que não conseguem ver por estar tapado pelo monitor. E todos eles conjecturam “eh pá, está ali o canhão da Playboy!” “Quem?” “A gaja que saltava para a piscina e é filha doutro gajo que é actor!” “Ah!” “Deixa ela levantar-se…”, até que quando ela se levanta para comer frutinhas e cereaiszinhos  e essas coisinhas que as gajas comem com pavor de engordar o pessoal tem logo ali a maior decepção do dia. “Ah, é apenas uma gorda com cara de Cristina Areia…”. E o pior é que mesmo com as frutinhas e cereaiszinhos e essas coisinhas todas ela vai continuar a engordar. E quando chega a altura de ir para casa, o marido tem vontade de fazer alguma coisa quando vê a cara dela no intercomunicador, mas mal ela chega ao pé dele o sorriso esfuma-se. Ele depois pensará na verdadeira Cristina Areia, ou até na Cláudia Jacques ou na Dora, quando estiver por cima dela e não ousará olhar para baixo do pescoço dela, porque já sabe a decepção que isso produz. E ela não percebe bem porquê, mas toda a gente com quem se relaciona parece estar desiludida com ela. Como não percebe as coisas, desata a ver séries de gajas ao mesmo tempo que enfarda frutinhas e cereaiszinhos e essas coisinhas todas como se fosse uma ursa acabada de sair da hibernação. Para depois engordar ainda mais e metamorfosear-se num clone da Cass Elliot – era a gorda dos The Mamas & The Papas, para vossa informação. Sim, esses do “California Dreamin’”. Caraças, era esta -> http://en.wikipedia.org/wiki/Cass_Elliot

O que lhe vale é que ela deve ser uma jóia de pessoa, por muito irrelevante que isso seja quando o tópico em discussão é a parecença com as mamas. Perdão, Cristina Areia.

25 fevereiro 2014

Kristen Stewart

Sei lá quem é a Kristen Stewart. Tive de procurá-la pelos cantos desse grande globo que é a Internet. Já se sabe, a Internet é tipo um Aki, mas maior e melhor, porque tem coisas que não são só para a casa e não precisa de concorrer com o Leroy Merlin. Leroy Merlin é um nome multifacetado. Se for dito com uma entoação texana, parece um jogador de basquetebol afro-americano recrutado no draft duma universidade do Alabama pelos Minnesota Timberwolves (ainda existem?); se for dito com pronúncia francesa, parece um artigo de luxo, quiçá exposto em Versalhes com prioridade sobre as panelas da Joana Vasconcelos; se for dito em português, parece parvo. Grandes superfícies dedicadas à bricolage são também, genericamente, sítios a atirar para o parvo, onde lésbicas piscam os olhos umas às outras, assim naquela de desafiar as Martinas Navratilovas dos subúrbios a sacarem das suas fitas métricas do bolso traseiro das suas calças de ganga e compararem tamanhos, nem que seja do lápis amarelo e preto que carregam orgulhosamente por cima da orelha, numa espécie de recado aos mais desatentos que ainda não tinham reparado no penteado curto com aroma a Old Spice. É assim o mundo formidável dos grandes armazéns de bricolage. Lugares onde há vasos, azulejos, motosserras e sacas volumosas de coisas pesadas, que hão-de servir para qualquer coisa lá para o quintal das traseiras ou apenas para o cestinho do gato, e onde é possível andar com o rego traseiro à mostra e parecer uma autoridade no assunto, tudo isto para o deleite de gente bruta ou então da simples parada de estranhos curiosos.

Lá fui à procura da Kristen Stewart. Tinha uma vaga ideia de que ela pertencia a uma série de vampiros. Reconhecia-a como ligada a um fenómeno juvenil qualquer, a fronha não me era estranha. É claro que não era dos Tokyo Hotel, dos quais já ninguém se lembra, nem dos One Direction, que hão-de cair no esquecimento até 5ª feira. Era daquelas pitinhas americanas que enchiam as capas das Bravos e afins, bem embrulhadinhas num plástico ranhoso que é para que ninguém fanasse aqueles dois brincos rosa-pindéricos que atraem miudinhas dos 10 aos 16 como aqueles electrocutores de luz roxa atraem as moscas nos bons velhos estabelecimentos de restauração pré-ASAE. A metáfora mosca/miudinhas não é inocente. E lá a encontrei. Era mesmo duma série de vampiros. Parece que vampiros estão ou estiveram recentemente na moda. Quero acreditar que foi a forma mais inteligente dum qualquer nerd com medo de ir à praia com os amigos fazer com que a palidez doentia parecesse cool. Foi assim durante algum tempo, era ver as pitinhas vestidas de preto e a fugir do sol para trocarem chochos umas com as outras nas escadarias mais recônditas que pudessem encontrar, ambicionando ter caninos protuberantes, bebendo groselha com pouca 7-Up como se fosse sangue e jogando o jogo do copo para poderem dizer “o copo mexeu-se mesmo e tive um amigo meu que falou com uma rainha egípcia que conheceu a mãe dele noutra encarnação e ele nunca mais ficou a bater bem da tola” com toda a propriedade. Mas já houve a moda do Diablo, dos gigantes porta-chaves gelatinosos que pareciam o vírus da gripe, dos dinossauros, do Harlem Shake e até a Casa dos Segredos fazia as parangonas de qualquer mural de Facebook que se preze. Ou ainda faz? Ainda faz? A sério? Mas não me tinham dito que a crise já tinha acabado?

Ser estrela feminina para adolescentes e pré-adolescentes femininas deve ser tramado. As miudinhas devem odiá-la. Queriam ser como ela para poder sentir a mordedura do Robert Pattinson (também apanhei-o numa curva da Internet), mas invejam-na de morte e matavam-na aos guinchos e repelões no cabelo se a apanhassem à frente. Os miúdos também não lhe ligam muito por aí além, já que ainda estão ocupados a jogar à bola ou querem cenas mais hardcore, pelo que o rabo duma Carolina Torres é-lhes mais apelativo que aquela figurinha desenxabida da Kristen. Já a estrela masculina é “fofinha” e “queriducha” para elas e um “paneleiro” para eles. As estrelas adolescentes têm outro obstáculo nas suas vidas: quando começam a crescer fazem figuras tristes das quais demoram a recuperar. Veja-se o caso da Hannah Montana, que agora é Miley Cyrus e dá o cu ao mundo, e da Britney Spears, que precisou da mão do Will.I.Am para voltar à velha forma xunga-chique, só para citar dois exemplos. Os gajos geralmente refugiam-se no álcool e drogas e engordam para caraças, almejando ser como o Mickey Rourke e desejando que a sua desfiguração precoce lhes renda algum papel de relevo no futuro, para depois irem escrever livros de auto-ajuda onde o bottom-line é “tenham juizinho e não façam como eu fiz” e cujo destino é a congregação de poeira ao lado dos livros da Margarida Rebelo Pinto e do gajo do Big Brother. Ser estrela adolescente é garantia de um passado embaraçoso que nunca mais as abandonará e que tende a torná-las personagens para lá do patético. A Ana Malhoa também foi um projecto de estrela adolescente. Penso que não posso ser mais explícito.

Eu tenho uma fotocópia da Kristen Stewart a morar perto de mim. Pitinha dos seus 16 anos, pose distante e aluada, tão característica dos adolescentes, com os seus adornos típicos e roupa de marca, trocando mensagens abreviadas através de um chat qualquer do seu smartphone. Tem a cara assustadoramente parecida com a Kristen, com a notável similitude a provir essencialmente do seu queixo. Sim, o queixo da Kristen Stewart, aquele afunilar de linhas que faz a cara parecer um triângulo isósceles invertido. Dantes só havia o queixinho da Reese Witherspoon, que também é parecido com a da Kristen. Mas o queixo da Reese transpira a bimbice, enquanto que a Kristen nem sequer é loura para ser tão bimba. Para lá caminhará, é só preciso termos calma. Esta pitinha tinha futuro enquanto dupla da Kristen. Tem estilo, um certo swag restringido e discreto quando retira os óculos de sol e revela uns olhos redondos e esverdeados, mantendo os polegares a tocar no ecrã do seu i-Phone Android Touchscreen Appstore X-5000 Deluxe Pro. Imagino-a no seu quarto pejado de posters e de roupa espalhada pelos cantos, fugindo à chamada da mãe para o jantar, aperfeiçoando a arte de “estar chateada”. Adolescência tem tudo a ver com aborrecimento. É aborrecido ser e é aborrecido não se ser durante a adolescência. Os planos vão e vêm neste período de muitas marés, porém aquele queixo já não irá mudar por aí além. Que grande queixo pequenino, julgava que só na América é que havia queixos assim. Se calhar, a pitinha até é filha de um relacionamento proibido de um desses Elders que andam para aí, que acho que são mórmones e andam sempre aos pares, mas nem todos devem ser exemplarmente devotos e alguns devem dar as suas facadinhas por aí, mesmo que não abordem ninguém directamente e a sua toilette consista exclusivamente em camisas brancas, calças pretas e gravatas escuras do mais religiosamente unsexy que pode haver – e por alguma razão a igreja deles é dos “últimos dias”, aquilo não tem mesmo saída. Acho sinceramente que esta Kristen até tem potencial para dar mais nas vistas dentro de pouco tempo que a própria Kristen, e não falo das capacidades pseudo-vampirescas. Só tem é de sobreviver incólume à adolescência, o que já é um grande desafio.


Quem também está a ficar com um queixo tipo Kristen ou tipo Reese é a Frances Bean, a filha do Kurt Cobain. Mas não vão para o Aki falar destas coisas, eles não saberão reconhecer a genialidade deste gossip e acabarão por recomendar que tragam o casquilho da próxima vez para poderem ajudar.

27 janeiro 2014

A Bancada da Casa-de-Banho

A bancada do lavatório da casa-de-banho é um lugar mítico para as mulheres. É lá que se mede o grau de sofisticação e aprumo das donas. E é uma medição bastante quantitativa: o que conta é o número de boiões, frascos e estojos que se acumulam por cima da bancada, num festival de marcas e de cores quase sempre desalinhadas. Só elas conseguem ordenar aquele caos, discernir a utilidade daqueles produtos e artefactos e retirar um estranho prazer quando conseguem, apesar de tudo, adicionar um novo creme ou um novo spray para cima da bancada. Cabe sempre mais alguma coisa.

Podiam guardar aquilo tudo num outro compartimento? Podiam, mas não seria a mesma coisa. Primeiro, porque assim estão a dizer-nos sem palavras que toda aquela beleza pela qual nos apaixonámos não é assim tão natural e requer todo um manancial de aditivos e práticas, por vezes demoradas, para estar minimamente consumível pelos olhos masculinos; segundo, porque esses outros compartimentos já estão reservados por outras mistelas que saíram de moda (e que irão inevitavelmente regressar) ou que pura e simplesmente não servem mais. O que está em cima da bancada é o mínimo indispensável para uma adequada manutenção da fêmea. Muitas das coisas nunca deverão ter sido utilizadas sequer, mas isso não interessa porque poderão vir a ser e uma mulher não quer ser apanhada de calças na mão – isto é, se há bancada, que se preencha com tudo aquilo que fez, que faz e que poderá vir a fazer falta. E por muito que isto nos surpreenda, certas bisnagas, na sua tímida dimensão, podem comportar loções que valem mais que a platina. Tinha fortunas empatadas em cima da bancada da casa-de-banho e nem pensava muito nisto. Uma toilette feminina nunca se satisfaz com um pincel e uma caixa de maquilhagem; precisa de demãos, precisa de diversidade, precisa de um toque disto e de um toque daquilo. Uma bancada de casa-de-banho feminina é, invariavelmente, composta por uma míriade de pequenos frasquinhos e de outras coisas pequeninas e nunca por um grande frasco de after-shave ou outra coisa grande qualquer. Seguindo esta regra, é fácil acertar num “blind-test” se determinada bancada é de uma casa em que habita uma mulher ou não – é só saber se é possível ver o fundo ou, quanto muito, se os objectos que estão em cima da mesma contam-se pelos dedos das mãos.

Porque, ao invés, uma bancada da casa-de-banho é um lugar extraordinariamente limpo para um homem que não seja demasiado metrossexual. Numa bancada masculina os objectos são facilmente catalogáveis e não oscilam muito de um pente, um frasco de gel, um after-shave, um perfume e uma escova de dentes com a respectiva pasta ao lado. E é só. É de um minimalismo atroz para qualquer olho feminino, ver tanto espaço por cobrir, tanta pedra desnuda e fria a pedir aquele aconchego que só um laboratório francês qualquer consegue proporcionar por intermédio de mais um creme revigorante especial em forma de frasquinho. Elas não aguentarão tanto espaço livre e logo tratarão de colonizar a bancada. Logo o homem vê os seus pertences colocados a um canto e a sua movimentação de braços limitada naquele espaço, sob pena do seu desajeitado manusear derrubar e eventualmente quebrar aquele verniz xpto que custou os olhos da cara.

A bancada que eu conheci era feminina. Pejada de utensílios e aplicativos diversos, como se a Avon tivesse despejado o seu catálogo na minha casa-de-banho. Somente me era permitido confiar na utilidade dos mesmos e sonhar com a cor original da bancada, subjugada que esta estava perante o peso de infindáveis pedaços de vidro e plástico de várias cores. E vivia relativamente bem com isso. Mas ultimamente a minha bancada masculinizou-se. Ganhou testosterona e correu com aqueles trastes. À primeira vista, já não é a mesma bancada. Parece que cresceu, que é uma espécie de sucedânea revista e aumentada da bancada que me era familiar. Mas é tudo uma ilusão. A bancada é a mesma, o que se foi embora foi a mulher e com ela todo o exército de acessórios de beleza. Agora a bancada respira, é possível ver um pedaço de cotão ou outro, de vislumbrar um cristal a brilhar quando o foco de luz incide num ponto certo. Está uma bancada “à homem”, grande e limpa. Há eco na casa-de-banho. Já não há mais cabelos longos a entupir o lavatório. O cheiro do verniz esfumou-se. Adeus às rodelas de algodão. Os pincéis e limas foram tratar de obras de reconstrução facial para outras bancadas. É muito fácil encontrar o meu perfume agora, é tudo aquilo que está do lado direito da torneira.


Assim sendo, a bancada do lavatório da casa-de-banho é agora um objecto à imagem do seu homem: um espaço grande e arrumadinho que dispõe de espaço suficiente para acomodar um toque feminino que lhe dê uma corzinha e alguma vivacidade, desde que isso não sacrifique a sua liberdade de movimentos nem a sua funcionalidade. A bancada da casa-de-banho é agora, acima de tudo, um pedaço de pedra. Trabalhada para conter coisa nenhuma e estar sempre impecavelmente brilhante.