Sobre a personagem do título não me alongarei. Como marquês
que era, devia usar daquelas perucas aos caracóis de que os juízes gostam muito,
meias por cima de corsários e sapatos com fivelas, com muitos folhos dispersos
pela indumentária. E certamente que era um tarado que se deleitava em serões de
intensa e dolorosa carnalidade, ou não fosse essa a actividade que lhe granjeou a posteridade. Dada a sua inquestionável reputação, sobejamente debatida
noutros fóruns, interessa-me apontar, sucintamente, as suas contrafacções.
Marquês da Sade. É um fidalgo que foi casado com a Sade Adu.
Aquela que ia de costa a costa, de El Ei até Chicago, se bem que Chicago fique
na costa dum lago. Foi um erro de simpatia por questões de métrica e de sonoridade.
Valeu a pena, a canção foi um sucesso e a geografia ficou igual. Mas é ali, nas
bordas de Chicago, que está o maior reservatório de água doce do mundo, na
região dos Grandes Lagos. Nós temos o Alqueva, também o maior sob algum
critério. O Alentejo renasce, polvilhado de oliveirazinhas que nunca crescem para além do estipulado. Todas alinhadas em formação a drenar o solo com uma voracidade
militar. Alguma gente também nunca cresce, apenas envelhece. Duma forma oposta
à do Vinho do Porto. Sacana do vinho, ficamos todos vinagre, até a
aparentemente inexorável Sade, e só a raça do vinho fica melhor.
Marquês do Chade. É um nobre com pretensões ao trono do
Chade, um país perdido ali por baixo da Líbia com fronteiras difusas na areia.
É fodido estar por baixo da Líbia. Isto é das maiores humilhações
geo-estratégicas que pode haver. O Nuno Rogeiro até fica com pele de galinha. E
não é fácil o Nuno Rogeiro meter a sua pele de solário constante como a duma
galinha. Não sei francamente se a Líbia ainda existe. A Síria, o Iraque, o
Iémen, só mesmo o Nuno Rogeiro pode dizer. Então imaginem estar por baixo de
alguma coisa que não existe e ser essa a principal referência. Ou estar ao lado
do Sudão. Há dois Sudões e nenhum se aproveita. Não espanta que as pessoas
fujam desse vácuo. A vida não está fácil para o Chade. Os anglo-saxónicos
chamam-lhe Chad. Chad é nome de dropout de high-school. O primeiro baterista a
sério dos Nirvana chamava-se Chad. Foi o máximo a que um Chad almejou.
Marquises de Sade. É um restaurante com uma vista panorâmica
sobre o rio Sado. Foi um erro de tipografia ou apenas transcrição da fonética
local. Há vários lugares assim, com nomes convidativos sobre uma paisagem qualquer:
as Varandas do Ceira, os Miradouros do Gerês, os Passadiços do Paiva e também
as Marquises de Sade. As marquises em si possuem um design à Ronaldo,
arejadinhas. O restaurante enche aos Domingos e fecha 2ªs e 3ªs. É assim-assim.
Tinha um arroz-doce muito bom, mas desde que a mulher do dono morreu que aquilo
perdeu um bocado. Era o consenso dos clientes, eu cá nunca gostei de arroz-doce. Dava-me a volta à barriga, dizem que era por comer quando ainda estava
quente, mas eu guardei um ressentimento para a vida. O restaurante não tem uma
pontuação fantástica no Tripadvisor e tem poucos comentários no Google. O
estacionamento é de terra batida e está lá sempre um Mercedes 180 branco com
teias de aranha a ocupar dois lugares. Ainda assim, não lhe roubaram a estrela
neste tempo todo. O atendimento é lento, mas isso até dizem que confere autenticidade
à experiência. Só para quem entende. A sofisticação não está ao alcance de
todos.
Prefiram sempre o produto original.
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