14 outubro 2021

Marquês de Sade


Sobre a personagem do título não me alongarei. Como marquês que era, devia usar daquelas perucas aos caracóis de que os juízes gostam muito, meias por cima de corsários e sapatos com fivelas, com muitos folhos dispersos pela indumentária. E certamente que era um tarado que se deleitava em serões de intensa e dolorosa carnalidade, ou não fosse essa a actividade que lhe granjeou a posteridade. Dada a sua inquestionável reputação, sobejamente debatida noutros fóruns, interessa-me apontar, sucintamente, as suas contrafacções.

Marquês da Sade. É um fidalgo que foi casado com a Sade Adu. Aquela que ia de costa a costa, de El Ei até Chicago, se bem que Chicago fique na costa dum lago. Foi um erro de simpatia por questões de métrica e de sonoridade. Valeu a pena, a canção foi um sucesso e a geografia ficou igual. Mas é ali, nas bordas de Chicago, que está o maior reservatório de água doce do mundo, na região dos Grandes Lagos. Nós temos o Alqueva, também o maior sob algum critério. O Alentejo renasce, polvilhado de oliveirazinhas que nunca crescem para além do estipulado. Todas alinhadas em formação a drenar o solo com uma voracidade militar. Alguma gente também nunca cresce, apenas envelhece. Duma forma oposta à do Vinho do Porto. Sacana do vinho, ficamos todos vinagre, até a aparentemente inexorável Sade, e só a raça do vinho fica melhor.

Marquês do Chade. É um nobre com pretensões ao trono do Chade, um país perdido ali por baixo da Líbia com fronteiras difusas na areia. É fodido estar por baixo da Líbia. Isto é das maiores humilhações geo-estratégicas que pode haver. O Nuno Rogeiro até fica com pele de galinha. E não é fácil o Nuno Rogeiro meter a sua pele de solário constante como a duma galinha. Não sei francamente se a Líbia ainda existe. A Síria, o Iraque, o Iémen, só mesmo o Nuno Rogeiro pode dizer. Então imaginem estar por baixo de alguma coisa que não existe e ser essa a principal referência. Ou estar ao lado do Sudão. Há dois Sudões e nenhum se aproveita. Não espanta que as pessoas fujam desse vácuo. A vida não está fácil para o Chade. Os anglo-saxónicos chamam-lhe Chad. Chad é nome de dropout de high-school. O primeiro baterista a sério dos Nirvana chamava-se Chad. Foi o máximo a que um Chad almejou.

Marquises de Sade. É um restaurante com uma vista panorâmica sobre o rio Sado. Foi um erro de tipografia ou apenas transcrição da fonética local. Há vários lugares assim, com nomes convidativos sobre uma paisagem qualquer: as Varandas do Ceira, os Miradouros do Gerês, os Passadiços do Paiva e também as Marquises de Sade. As marquises em si possuem um design à Ronaldo, arejadinhas. O restaurante enche aos Domingos e fecha 2ªs e 3ªs. É assim-assim. Tinha um arroz-doce muito bom, mas desde que a mulher do dono morreu que aquilo perdeu um bocado. Era o consenso dos clientes, eu cá nunca gostei de arroz-doce. Dava-me a volta à barriga, dizem que era por comer quando ainda estava quente, mas eu guardei um ressentimento para a vida. O restaurante não tem uma pontuação fantástica no Tripadvisor e tem poucos comentários no Google. O estacionamento é de terra batida e está lá sempre um Mercedes 180 branco com teias de aranha a ocupar dois lugares. Ainda assim, não lhe roubaram a estrela neste tempo todo. O atendimento é lento, mas isso até dizem que confere autenticidade à experiência. Só para quem entende. A sofisticação não está ao alcance de todos.

Prefiram sempre o produto original.

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