24 dezembro 2012

Peter Griffin



Uma pessoa vê o Peter Griffin e pensa logo, “ena pá, vem aí um fartote de riso”. Mas não. Este post não vai ser engraçado. Porque eu conheci um Peter Griffin na realidade e a realidade não é sempre engraçada. É verdade. Há sempre um ou outro acidente mortal que envolve gente do mais inocente que possamos pensar, violações e injustiças que tiram o sorriso até ao mais negro dos humoristas, só a título de exemplo. A realidade pode ser uma grande seca e mesmo aquele gajo que pisou a casca de banana pode ficar paraplégico e é afinal teu familiar ou amigo. Este gajo que eu conheci era a figura chapada do Peter Griffin. Mesmo. Eu chamava-lhe “o Family Guy”, só para que as pessoas o pudessem situar melhor. “Aquilo que dá na Fox a seguir ou antes dos Simpsons”, explicava, mas a maioria do pessoal “Aaah… Pois…”, como se os próprios Simpsons fossem para criancinhas ou atrasados mentais. “Os meus filhos é que gostam de ver esses bonecos”, atiravam com o paternalismo próprio de quem já está muito à frente na escala de evolução humana e eu, desarmado, sentia-me um padre a pregar a peixes surdos, mas com muito menos sucesso que o António Vieira. Tudo bem, um gajo habitua-se. Eu evitava chamá-lo de Family Guy directamente, porque o gajo tinha quase dois metros de gordura e brutalidade. Estava lá tudo. Era bem gordo, bastante gordo, com aquela barriga característica do Griffin que lhe tapa os genitais. Eu acho que este gajo já nem sequer via os seus genitais ao espelho, tamanho era o volume daquela pança. É das coisas mais deprimentes que me posso lembrar, se bem que em desenho-animado até tem a sua graça e evita censuras. Tinha a cara papuda, com aquele queixinho dividido em dois como um par de testículos. E esta metáfora não deve ser inocente. Acho que grande parte dos desenhadores trabalha a melhor maneira de colocar formas que não seriam publicáveis em contextos insuspeitos. O cabelo era um pequeno tufo lá no topo, penteado para o lado e até a com a mesma cor do cabelo do Griffin. Também possuía uns óculos fininhos. E para completar o ramalhete, também tinha um riso bastante característico, embora não tão cómico em si mesmo como o riso do Griffin. Não era das pessoas com menos humor que conheci, mas só era engraçado por acaso, não calibrava bem as suas “punch-lines”. Talvez o seu humor se assemelhasse mais ao de um Fernando Rocha sem tanta sexualidade envolvida e sem o sotaque de parolo. Ou seja, era um sentido de humor sem grande grau de refinação e sem os predicados essenciais do humor sem classe, deambulava por ali na terra de ninguém. Se tivesse que definir as suas deixas, diria que eram para o desbragado, boçal e providas de insensibilidade social. A sério, era difícil haver uma versão sem fins humorísticos do Griffin mais notável que aquele gajo. Em si mesmo, ele era uma personagem. Dele se esperavam as perguntas mais inquestionáveis e as tiradas mais socialmente repreensíveis. Mas tudo sem a verve dos bem-humorados. Era mais defeito que feitio. Como do género “viste a preta hoje? Acho que ela já se cansou desta merda e foi curtir os petrodólares lá para a Avenida da Liberdade”, com a preta a passar logo atrás dele. O que não queria dizer que ela não estivesse efectivamente farta daquela merda e preferisse gastar a sua fortuna na Avenida da Liberdade. Era apenas o desbocado da situação que havia a registar. Era assim, propenso a embaraços involuntários, sempre a fumar, o que lhe proporcionava aquela voz característica dos fumadores, tipo Gilberto Madaíl. Uma rouquidão e uma tosse com uma certa dose de gosma claramente mais irritante que sensual, que era adjectivo que nunca se lhe poderia aplicar. A saúde física dele não devia andar lá muito bem. E ele também não parecia preocupar-se muito com isso. Falava em molhos, bifes e bebidas com grande certeza. Dizia que já tinha feito isto e aquilo, tinha planos para qualquer coisa mais e notava-se que não era parvo de todo. Seria intelectualmente mais apto que o Griffin, devo reconhecer, apesar de tudo. Devia provir de boas famílias, pese embora o aspecto e a rudeza. Era desembaraçado, apesar do peso, e metia conversa com qualquer um, desenvolvendo uma proximidade inquietante com alguém que acabara de conhecer. Denotava alguma esperteza. O problema estava todo no estilo. Era difícil alguém levar-lhe muito a sério ao fim de cinco minutos. Ainda para mais os aficionados do Family Guy. Se calhar o Seth MacFarlane travou contacto com ele há alguns anos e surgiu-lhe a ideia do Griffin. Parece-me plausível, embora Griffins devam haver em barda pelos EUA. Dizia que tinha filhos e eu lembrei-me logo de um Chris Griffin com um macaco mau no armário. Imaginei-o a peidar-se na cara da sua Meg. Conjecturei que a sua mulher seria pouco menos que perfeita, uma Lois sempre disposta a manter sexo com ele, por muito mórbido e inestético que parecesse. Nunca aceitei convites dele para aceder às suas redes sociais. Mas isto porque também não sou grande adepto das redes sociais, o que me faz um potencial assassino em série, como já li para aí algures nalguma publicação online – “ah, não estranha que o gajo desatasse a matar tudo o que lhe aparecesse à frente, porque o gajo vivia num sótão, a jogar Call of Duty e sem Facebook, logo, quando saísse de casa iria vingar-se de todos os pedidos de amizade que lhe fizeram e aos quais não acedeu”. De qualquer forma, eu preferia ser amigo do verdadeiro Peter Griffin. Pela graça em si e porque sempre daria para tomar conhecimento em primeira-mão de grandes combates entre ele e uma galinha maligna.
Este Griffin, de galinhas, devia conhecer apenas os ossos que deixava no prato, depois de enfardar uma meia-dúzia de uma só vez. A sério, este gajo foi o sósia mais equivalente e grotesco que alguma vez conheci. Tinha era o grande senão de não ser tão engraçado como podíamos pressupor. Uma pequena diferença que fazia toda a diferença.

21 novembro 2012

Cavalo

Conheço uma tipa que tem uma valente cara de cavalo. Tem mesmo aquela cara alongada de equídeo, com a diferença que os olhos estão a olhar para a frente e não estão posicionados de lado. Há para aí uma meia-dúzia de palmos de distância entre os olhos e a boca. No mínimo. Tem cabelo extremamente liso como crinas a escorrer-lhe pelas costas. Ainda por cima, tem as mandíbulas assim a atirar para o protuberante, com gengivas quilométricas, que lhe conferem um aspecto cavalar quando se ri. E só se riu porque lhe meteram uns torrões de açúcar junto ao nariz.
Do pouco que a ouvi, deve comer palha, porque é tudo o que sai daquela boca. E eu aposto que ela relincha. Não a conheço muito bem, talvez porque hipismo não é bem a minha onda. Quem a conhece diz que ela é teimosa que nem uma burra. Neste caso, devia ser “que nem um cavalo”. Ou égua. Ou mula. Mas não, ela não é mula nenhuma. Não é, por sombras, uma cavalona. Mas esta cara de cavalo também fornica e permite-se ufanar do “meu marido” e dos “meus filhos” e etc. e tal, mesmo à laia de gaja de meia-idade. O marido dela é um jóquei, que diz “ei!,ei!” enquanto a pica com as esporas e lhe puxa as rédeas quando ela está assim para o rezingona e não quer fazer as provas de obstáculos. E ela lá põe os bofes de fora e manda uma pôia das grandes na carpete. A empregada, que lhe costuma pôr as ferraduras compradas na Foreva e pentear-lhe a trunfa, limpa tudo sem reclamar. O filho mais velho é um pónei com um pénis gigantesco que roça o chão a dar voltas no circo com criancinhas ao colo e o mais novo é um alazão de pau. Ou talvez não, mas o fixe disto é poder conjecturar à vontade.
E pronto, é isto. Sobre a cara de cavalo estamos conversados. Depois havia “o cavalão”. O cavalão foi a alcunha que o Johnny Petromax inventou para um gajo da minha turma no 10º ano. Foram tempos conturbados. Todas as 6ªs feiras havia rambóia no café a 100 metros da escola. Vínhamos do almoço e lá nos juntávamos todos, tipo uma da tarde, uma e meia, coisa e tal, e aguardávamos pelas aulas que só começavam às três e tal. Era um festival de fumo e bebida. Aquilo estragava o pessoal todo. Era aos litros e aos maços. Era a competição de penalties e das maiores passas. Era isso tudo. Vi gente a vomitar nos locais mais improváveis, com frequências totalmente imprevisíveis, em condições atmosféricas das mais diversas. E depois ainda íamos para as aulas, continuar o forrobodó. Quer dizer, a maior parte das vezes íamos, mas nem sempre isto era líquido, especialmente quando ainda estávamos com algumas faltas injustificadas para dar (sim, dantes chumbava-se por faltas). Fazia-se de tudo que não era suposto fazer-se numa sala de aula, inclusive fumar, juro que só não houve relações sexuais naquela aula porque as gajas não queriam. Até demonstrações de armas brancas houve naquela sala. Houve mais episódios deveras curiosos, que poderei desenvolver noutra altura e noutro fórum. A professora era uma espécie de mãezinha simpática à laia de uma Julie Andrews, só que míope; nunca deu por nada de especial, ou nunca quis dar, mas eu acho que ela via mesmo mal. Resumindo, aquilo era o deboche juvenil na sua plenitude, anos antes de virem com os telemóveis meter isso no YouTube e anos antes de o pessoal começar a ser violento em termos físicos com os professores. Pois bem, o cavalão era um tipo reservado, muito “estou-na-minha-e-tu-estás-na-tua”, com um olhar blasé, um estilo cool, mas não era propriamente um armário nem um gigante; julgo que o Johnny Petromax apenas estava a considerar a bruta aptidão futebolística e o aspecto robusto, mas não propriamente intimidador, d’ o cavalão. “Cavalão” foi alcunha que pegou e o Johnny Petromax até se afeiçoou ao cavalão mais que qualquer um de nós, até porque o cavalão vinha de outra terra, ele não se esforçava muito para fazer amigos, nós também já nos tínhamos e estávamos bem assim e só o Johnny Petromax, um tipo que cultivava o espírito de grupo, é que puxou por ele. E um dia o Johnny Petromax fez anos.
O aniversário do pessoal nessa altura era motivo para elevar as diatribes alcoólicas a patamares mais inusitados. Combinámos juntarmo-nos todos logo a seguir ao almoço no café do costume. O cavalão, que nem sequer era um habitué da tertúlia, também. E todos nós, especialmente o Johnny Petromax, estávamos ansiosos para ver a prestação copística d’ o cavalão, que, sendo forte fisicamente, devia aguentar estoicamente com a espuma e o gás de alguns litros de cerveja. E começou então a copofonia. Eu, como quase sempre, raramente testava os limites e era uma espécie de observador. Dá sempre jeito haver alguém mais sóbrio no meio das bezanas – para controlar comportamentos mais perigosos (tipo gente a querer mandar-se do 3º andar) e para saber algumas verdades (porque os genuinamente bêbados são incapazes de contar mentiras). E o cavalão ia com um ritmo devastador, sempre calmo, sempre a emborcar, mas já com vários copos no buxo. O Johnny Petromax lá disse, “pessoal, vamos para a aula”, e lá fomos nós, acabando o resto da cerveja pelos 100 metros que distava um sítio do outro. A aula corria normal, apenas um ou outro estore rebentado, um ou outro palavrão, nem se deve ter fumado muito na aula nem nada, talvez mais gente sorridente do que o costume. Mas o cavalão estava perfeitamente normal, muito na dele. Toca para o intervalo. O pessoal levanta-se, aos risos, bafo a álcool por todo o lado. E o cavalão? O cavalão acabara de passar por nós a correr, tapando a boca, descendo as escadas para ir ao WC. O Johnny Petromax, “eish, o cavalão vai ao gregues!”, com o espanto a inundar-lhe a cara e uma gargalhada etílica a sufixar-lhe a expressão que soltara. Para azar d’ o cavalão, a porta estava fechada e ele teve de ir junto à contínua buscar a chave e assinar um papel. Tudo isto connosco a assistir e ele sempre com a mão na boca a conter o vómito. E depois a chave não entrou à primeira. Era contrariedade a mais. Resultado: vomitou logo ali, à porta do WC, no átrio do pavilhão, com toda a gente a ver. Até a contínua, que rejeitou limpar aquilo, enojada. Era o pessoal a gargalhar nas escadas, “ó cavalão, já foste!”, e ele, com fair-play, já mais aliviado, sorriu para nós, na boa. A última imagem que conservo dele é ele com um balde de água a limpar o vómito. Mesmo “à cavalão”, pegou no balde e jorrou a água para cima do vomitado, formando ali uma pequena corrente de água suja que se foi esparramar contra o vidro da porta. Foi assim que ele limpou aquilo e acredito que aqueles pequenos bagos de arroz que se encontram nos vomitados se alaparam àquele vidro até aos dias de hoje. Ninguém se importava com minudências dessas naquela escola. Nesse dia, depois da aula, julgo que alguns foram continuar a beber copos. O cavalão é que foi para casa.
Sobre cavalos, era basicamente isto que tinha para escrever.

18 outubro 2012

O Menino Chorão

Em bom rigor, o menino que chora não é da minha terra. Isto é, se entendermos a “minha terra” apenas como o meu local de nascimento ou zona de residência. E também não é bem um menino. No fundo, “o menino que chora” é todo um conceito transversal bem arreigado na morfologia psico-social desta nação. O que quer que isso signifique – os sociólogos e psicólogos saberão dar bom uso a esta expressão e louvá-la como uma verdade quase dogmática.
O menino que chora merece toda a nossa atenção. A nossa compaixão. A nossa empatia. Soltaremos um suspirante e comovido “coitado…” sempre que nos referirmos a ele. Será um exemplo, uma metáfora perfeita da vida, a imagem que valerá por ene palavras. Se algum dia sofrermos, que soframos com a dignidade humana do menino que chora. Se algum dia nos revoltarmos, que nos revoltemos com a placidez pacífica do menino que chora. Se algum dia o nosso próprio menino chorar, que chore tão fotogenicamente e num contexto tão apropriado como o menino original que chora.
O menino que chora faz parte do nosso imaginário kitsch. Refiro-me ao quadro que está ali no canto superior esquerdo deste post. De autor desconhecido, é bem provável que um nosso familiar mais velho o tenha em estima semelhante a uma tapeçaria da última ceia de Jesus lá numa parede da sua casa. É, quiçá, o maior exemplo da usurpação da propriedade intelectual – nunca ninguém reconheceu o seu autor, assim como ninguém sabe quem cantarolou o “quem atirou o pau ao gato” pela primeira vez, e nunca ninguém se importou com isso, contrafazendo-o aos montes durante décadas e décadas. Há apenas rumores quanto à proveniência do autor; há quem diga que era um nórdico, há quem diga que era italiano, mas, apesar da apropriação massiva que os lusitanos fizeram da sua obra-prima, não será português. E bem que poderia ter sido. Para fechar este parágrafo, na minha opinião, esse autor – ou a sua família – estará como o próprio menino: a chorar pelos eventuais copyrights perdidos.
Mas os meninos que choram são mais que muitos e, três-meia-volta, lá aparece um e nós enternecemo-nos e usamos essas lágrimas como cimento de uma união passageira entre sentimentalões afectados pela desgraça que se lhes, ou se nos, impendeu. Sim, porque acabamos por tornar aquela tristeza como nossa, como verdadeiros invejosos que não podem ver ninguém a chorar sem que arranjemos em nós mesmos um motivo para chorarmos também. Não há cá reguladores nem entidades governamentais para a liberalização da amargura, mas nós sabemos bem como acabar com o monopólio da angústia.
Vou só elencar situações desportivas a título de exemplo, deixando para o lado as lágrimas dos fados da Amália ou as do Jorge Sampaio, verdadeiros chorões da alma lusitana, bem como todos os programas do Daniel Oliveira.
Comecemos pelo Eusébio: em 1966, foi vê-lo num pranto no Mundial de Inglaterra após a eliminação nas meias-finais. Ele já era um grande jogador, segundo consta; após o choro, tornou-se num ídolo mundial – sim, porque os portugueses também não podem ter a veleidade de possuírem a exclusividade da lamechice, por muito que tentem. E oh se tentam. Depois vieram os anos 70, alguma euforia e rebeldia, a seguir os anos 80, com a felicidade estúpida que os caracterizou, a Europa e os sintetizadores e mais não sei o quê, até que chegámos aos anos 90, da geração rasca e do nascimento de uma certa insatisfação generalizada, bem propícia a cenas trágicas.
Rui Costa lacrimejou quando saiu do Benfica, chorou quando lhes marcou um golo, derramou baba e ranho que nem um perdido quando Marc Batta o expulsou na Alemanha e todos esses choros foram plenamente justificados, todas essas explosões inequívocas de sentimento içaram o Rui Costa a um patamar de humanismo sem precedentes na bola lusa, a qual o facto de ele estar umbilicalmente ligado à mega instituição lusa que é o Benfica ajudou de sobremaneira. Por isso, que ninguém ouse criticar a estatura moral desse Senhor, assim mesmo, com maiúscula, por mais oleoso que esteja o seu cabelo ou por mais difusas que sejam as suas funções actuais no seu clube de sempre. É um anjo na Terra, um Michael Landon mais jovem e atlético, um candidato à canonização.
O novo século chegou e com ele o peso da desilusão por anos de conformismo. Chorar, como quase tudo na era global, massificou-se e banalizou-se. É fácil chorar por tudo e por nada nos dias que correm, mas tudo passa, tudo se esquece em momentos. Vimos o Sá Pinto a chorar quando marcou um golo e apercebemo-nos que estava ali um ser emocional para além do agressor raivoso do seleccionador. Logo os sportinguistas, já inebriados pelo vigor com que Sá corria dentro de campo, o alcandoraram a ícone, sedentos que estavam de um ídolo ruicostiano no seu próprio clube. Mas já não estávamos na era da autenticidade, que foi um valor que perdeu valor; e Sá Pinto continuou a oscilar entre choros, acessos de fúria e momentos de dormência com a volatilidade de uma montanha-russa; quem chorou a seguir foram os próprios sportinguistas, alguns deles com francas debilidades afectivas e com bastante receio de ver cair o seu mais-que-tudo em desgraça, terrificados perante a possibilidade de ficarem órfãos de uma referência que eles próprios construíram apressadamente com uma certa leviandade, levando a que defendessem o Sá quando todos os sinais apontavam no sentido de deixá-lo cair. Um pouco como o amante traído que não consegue esquecer o fogo da paixão que o arrebatou durante breves momentos no passado e que se quer esquecer da porrada que levou de forma a manter a sua sanidade sentimental.
A selecção de rugby, essa, juntou ao choro de copiosas derrotas aos pés de neozelandeses em ritmo de treino uns dotes vocais para arranhar o hino. Apareceram todos agarrados entre si numa cenografia homoerótica que fez as delícias do povo. Pareciam os batalhões portugueses na 1ª Guerra Mundial, autêntica carne para canhão. Tornaram-se heróis. Bebemos todos daquelas lágrimas como se a derrota nos pesasse de facto, como se o rugby fosse coisa que interessasse ao comum português. Porque se eles fossem para lá calmos e serenos e perdessem na mesma queríamos lá saber. Não. Há que perder de forma trágica, há que saber ser mártir. O público valorizará assim uma causa perdida à nascença.
O último exemplo é o de Eduardo. Não o mãos de tesoura, mas o mãos de manteiga. O guarda-redes chorão do Mundial patético da África do Sul. O grau de patetice deste certame para as cores nacionais esteve inversamente correlacionado com as exibições dele – se ele foi o melhor da selecção, é porque pouco se aproveitou. Ou melhor, aproveitou-se, mas não no plano puramente futebolístico: deu para ver que Queiroz foi tramado com uma cabala a valer, daquelas que nós podemos verdadeiramente dizer “isto é uma cabala!” a plenos pulmões e nós aprendemos que o choro ainda pode trazer dividendos e guindar personagens de segundo plano a píncaros pouco expectáveis à partida. Foi o caso do Eduardo, um bom rapaz, humilde e que dispensava cebolas para largar o seu corrimento ocular. Foi logo a correr para o Benfica, o berço do sentimentalismo espúrio nacional, pois claro. Contudo, eu volto a frisar: estamos numa era incaracterística. E por isso, ao fim de pouco tempo, já as lágrimas do Eduardo tinham caído no esquecimento… e o próprio Eduardo também. O Queiroz, por outro lado, preferiu abespinhar-se em vez de chorar, ou pelo menos chorou mas sem recurso a lágrimas, retirando o lado físico da coisa, o que, parecendo que não, conta muito. Resultado: foi expatriado.

29 setembro 2012

Phil Collins

 
“O gajo é o Phil Collins”, observei. “Estás maluco?”, respondeu-me.

É normal. Poucas vezes as minhas comparações fazem sentido para a gente à minha volta. O que para mim é evidente, para os outros é um absurdo. Inimaginável. Intragável. Tão frio como Alasca no pico do inverno. Muito ao lado como um remate do Ribas. Quem é o Ribas? Nem ele sabe bem e nós não nos queremos lembrar. Isto é, partindo do pressuposto que o Ribas alguma vez rematou; para muita gente, isto é apenas mais um paradoxo. E eu compreendo-os. Mas muita gente não me compreende e a sua incompreensão é-me incompreensível. Cada vez menos, é certo, porque a habituação vai deixando-me anestesiado e indiferente.

Só a custo alguém me diz “eh pá, sim senhor, é isso mesmo”. É muito raro. Acontece quando o rei faz anos e, como todos sabemos, nós não temos rei – aquele tipo de bigode que casou com uma tipa ao saber que ela estava encalhada, provinha de boas famílias e era fértil não conta. Eu já só me contentava que me dissessem, entre algumas dúvidas e algum esforço em estabelecer uma relação, “hmm, de facto, há algumas parecenças…”. Mesmo isso não é comum. Por isso, vou denegrindo de certa forma a minha imagem. “O gajo é maluco”, devem comentar em surdina. O “gajo”, neste caso, sou eu.

O problema poderá residir no facto de eu não estar rodeado de gente que pense e sinta no mesmo comprimento de onda que o meu. "Take a look on me now": tenho manifestas dificuldades de relacionamento. Pelo feitio e pelas escolhas que fiz. Acho que estou inserido em grupos por um carácter meramente utilitário e que estou intelectual e espiritualmente desconectado desses mesmos grupos. Uso-os para satisfazer certas necessidades, mas muitas outras ficam por preencher. Por isso, sinto-me incompleto. Movi-me inconscientemente para grupos com cujos membros estabeleci ligações e com os quais até não me dou mal de todo, mas não estou emocionalmente ligado com nenhum deles. Bem feito, devia ter procurado a primazia do espiritual sobre o material, a realização exclusivamente pessoal à realização sócio-profissional, o que implicava mais riscos, mas não o fiz. Sempre tive medo de ser um “outcast, because I want to fit in; and I fitted, but I am just not in. Not in my view”.

Agora? Ou faço “reset”, que é de certa forma difícil e demasiado aventureiro para um gajo como eu, que não quer chatices, ou deixo-me ir indo, a ver o que as coisas dão, alguém alguma vez me irá compreender a valer, a cara-metade pode estar aí ao virar da esquina, quem sabe?, e se nada acontecer, então eu serei o mais esquisito do bando, dos bandos, só plenamente realizado sozinho, no quarto, com as suas cenas. Se calhar, é para ser mesmo assim. Provavelmente, serei anti-social. Não é perfeito. Mas sobrevive-se. Há coisas piores. Como consolação, tenho Galileu e gajos assim, que estavam certos quando todos à volta estavam errados. Nem sequer penso que eles eram apenas uma excepção, génios únicos, para não me desmoralizar muito.

Na verdade, o gajo não era muito parecido com o Phil Collins. Era somente careca e baixinho. Mas uma vez fizemos uma viagem toda a ouvir Phil Collins. E aquilo marcou-me. Quilómetros e quilómetros de conversa de chacha e de Phil Collins. Felizmente, não vomitei. Quer dizer, até aprecio algumas coisas do Phil Collins, por me fazerem lembrar da infância quando tudo era belo e desconhecido, mas não exageremos. E depois fizemos a viagem de volta. Ainda começou por meter Police. Porreiro. Talvez começássemos a estabelecer uma conexão logo ali, talvez ainda lhe perguntasse, "ó Phil, tu foste ver os Police alguma vez ao vivo?". Mas ele logo se fartou, talvez pensando que as batidas do Stewart Copeland fossem demasiado agressivas para a audiência. Para mal dos nossos pecados, que são tantos que nem dá para enumerar (falo por mim). A colecção dele no carro era muito limitada. E, desta forma, o que acabámos por ouvir? Phil Collins, evidentemente. O mesmo CD em loop. O carro era dele, ninguém ousou dizer “MUDA ESSA MERDA!”, mas lá que deve ter passado essa ideia na cabeça de todos, lá isso devia, se é que ainda existia alguma réstia de bom gosto no mundo. Que é duvidoso, mas assumamos que sim.

E então, um gajo baixinho e careca que ouve Phil Collins, bom, é o gajo mais philcollinsiano que eu conheço. Mesmo baixinho, tão baixinho que uma vez uma colega meu disse “a culpa foi daquele baixinho de merda”, ou qualquer coisa assim, e ele estava mesmo a passar por detrás do biombo onde ninguém o viu. E depois o biombo acabou; ele olhou para o meu colega e o meu colega olhou para ele, engoliu em seco, gerando-se um silêncio gelado. É desta que vamos ver o lado vingativo do Phil Collins. Mas, "against all odds", o Phil Collins até era boa onda, não levou a mal e nós demos uma grande risada enquanto o meu colega ruboresceu. Pelo sim, pelo não, começámos a ser nós a tratar dos casos do Phil Collins, para ele não pensar que estava a receber más notícias só por causa de alguma questiúncula pessoal. Ficámos todos bem, pelo menos que eu me tenha apercebido.

Mas eu percebo pouco de coisas que tenham a ver com relações e químicas interpessoais. Assim no geral. Tal como ninguém me compreende. Também assim no geral.

Depois, no Natal, aquelas festas em que há troca de presentes-mistério. A mim calhou-me um tipo do Sporting. Até tive sorte. De sportinguista para sportinguista, dei-lhe um cachecol do Nosso. Deve ter-lhe feito bom proveito. A mim ofereceram-me um suporte para duas garrafas. Uma merda de um suporte para duas garrafas. Uma coisa que ninguém percebeu ao certo o que era à primeira vista. Nem eu mesmo. Foda-se, c’um caralho, uma merda de tal ordem que nem a minha mãe quis ficar com aquilo. Mas eu tenho cara de bêbado? Não há merdas que fossem mais jeitosas e que custassem até 10 euros? Oh, foda-se… No fim, toda a gente acabou por saber de alguma forma quem tinha sido o seu “presenteador”, mas eu preferi continuar no desconhecimento. Devo ter sido o único. Mas foi por uma questão de bom senso. Porque eu não iria suportar trabalhar com essa pessoa, olhar-lhe na cara todos os dias e pensar, “que gosto de merda que tu tens” ou “tu desprezas-me de uma forma tão silenciosa que até me mete impressão”. E depois podiam dizer-me, “ah, mas o que conta é o gesto”, e eu respondo, “p’ó caralho mais o gesto, aquilo foi tudo forçado, fomos obrigado a dar e não se notou nenhum esforço para saber do que poderia gostar”. Se aquilo foi um “fuck you!” da parte dessa pessoa, então eu fiz de Cristo e dei a outra face. Se foi alguma coisa realmente de boa vontade, foi um tiro na água. Vamos acreditar que essa pessoa não estava a passar por um bom momento. Mas o que realmente importa para este efeito é que a pessoa que devia dar uma prenda ao Phil Collins estava na dúvida do que lhe dar. Nem de propósito, tinha acabado de sair uma colectânea de êxitos do Phil. Deve ter sido para aí a 14ª. E eu sugeri-lhe, “eh pá, o Phil Collins gosta do Phil Collins. “A sério?”. Foda-se, a sério, tu estiveste lá comigo a passar aquele tormento na viagem e estás a dizer-me que já não te lembras? “Ah, mas então ele já tem o CD!”, e eu disse-lhe “mas este tem a «Sussudio» e «Dancing Into The Light» e o outro era mais o «…But Seriously» com o «In The Air Tonight» e o «Can’t Hurry Love», ou lá como se chama, e mais umas cenas dos Genesis metidas ao barulho; era um CD customizado; este é que é mesmo oficial”, e essa pessoa “achas mesmo?”, e eu, “claro, não te vais arrepender”. E ela lá lhe comprou o CD.

Fiquei particularmente expectante no momento em que o Phil Collins foi abrir o embrulho. Ele parecia mesmo uma criancinha. Não tanto pela indisfarçável agitação de rasgar papel colorido e acabar com a tensão da surpresa, mas porque era mesmo muito baixinho. Mal o abriu, ele disse “Phil Collins! Como é que vocês sabiam que eu gostava de Phil Collins?”. Meu, tu és o Phil Collins; se não gostasses de ti, quem mais poderia gostar?

E eu estive naquela viagem, Phil. Nós estivemos. Sofremos. Mas quero acreditar que tudo faz parte de um plano maior, que passamos secas e desilusões e tormentos porque assim sobrevivemos. Acho que percebo desta matéria. Afinal, a minha vida, no fundo, é isso mesmo – sobreviver, sem nunca verdadeiramente sobre-viver.

26 junho 2012

Goraz (Özil no "Desafio Total")


O Özil parece um peixe. Fora d’água. Tudo por causa dos olhos, claro, como se houvesse mais algum elemento distintivo no Özil. Quer dizer, ele até tem boa técnica e estará no Top 100 dos melhores jogadores mundiais em 2012, possui um “Ö” com trema e tudo, tal como os Spinal Tap, mas quem tem uns olhos daqueles já arranjou instantaneamente um elemento distintivo. Aqueles olhos são mais que esbugalhados. Aqueles olhos fazem o Steve Buscemi parecer japonês. E, para mim, olhos assim lembram-me os olhos dos peixes. Porquê? Se vós não sentis porquê, então também não vou perder tempo a explicar-me.

Se calhar, o mais correcto seria lembrar-me dos olhos do Schwarzenegger no “Desafio Total”, quando parte o capacete ao cair no solo de Marte e começa a inchar. É. Özil pode ter vindo de Marte. Para a Merkel, tão experimentada em geografia, Turquia ou Marte deve ser praticamente a mesma coisa. Mas buscar a referência do Schwarzenegger é capaz de ser apenas perceptível aos Nunos Markls desta vida, sendo peixe uma coisa muito mais acessível para estabelecer uma comparação. Universal ou não, não sei, mas é a minha imagem mental.

O peixe na foto é um goraz. Era o que vinha na descrição. Mas eu de peixes percebo pouco. Podia ser uma tainha, robalo ou pargo. Ou esse espécimen tão vetusto que é o chicharro. Só sei reconhecer polvos, lulas (que nem sequer são peixes na verdadeira acepção do termo), salmonetes, sardinhas, salmões, bacalhau e peixe-espada. Porém, os três últimos só quando cortados, fatiados ou às postas e a sardinha só quando deitada sobre uma cama de sal que realce o brilho da sua epiderme ou esparramada numa fatia de pão untada com a sua própria gordura carbonizada. Escrito assim, até parece que a sardinha é uma vaca – vaca de “rameira” e não vaca “vaca" –, de tão receptiva a deitar-se que é. E, se calhar, até é a mais meretriz de todas as espécies de peixes. Como já disse, percebo pouco de piscicultura. Ah, e também sei quem é o Nemo. Mas esse é um palhaço. Vamos acreditar que o peixe da figura é um goraz. Não sei se é o peixe mais representativo em termos de “olhos esbugalhados”. É com certeza um peixe com um nome assaz bonito, cujos olhos são minimamente ilustrativos do meu ponto. E tem um perfil elegante que, vai lá vai, não sei se poderá ser atingível por um arenque. Ou mesmo pelo próprio Peixe, o Emílio, que foi melhor jogador do Portugal-91 e que possuía um aspecto um bocado desleixado mesmo no pináculo da moda grunge.

Eu não sei se gosto de goraz, não me lembro de ter comido algum (é provável que sim), nem tão pouco conheço o Özil, que nem sequer é da minha terra – como já concluímos atrás, ele provavelmente é um acidente marciano, bem mais infeliz que a mulher com três mamas (outra referência ao “Desafio Total”). Mas conheci um tipo que tinha olhos de peixe. Não tão esbugalhados como os do Özil, mas os maiores que eu conhecia pessoalmente. Era a minha referência pessoal. Até que, num destes dias, tive de refazer as minhas concepções mentais: vi uma tipa que batia o Özil por muito, batia um goraz de goleada. Ainda por cima, temos percursos e horários semelhantes, pelo que já a revi mais um par de vezes para reafirmar a minha certeza: ela é “O” peixe. Ou melhor “A” peixe.

São olhos esbugalhadíssimos, pulando das cavidades, ameaçando sair disparados como uma bala. Parece que está a usar daqueles óculos de comédia, cujos olhos saltam através de molas, mas nela é a sério. Os olhos estão a saltar, como se a atmosfera de Marte estivesse a brotar de dentro dela (segundo o “Desafio Total”). Nota-se o vermelho da carne por baixo, as veias a palpitarem nas partes exteriores dos seus círculos oculares. E depois tem uns óculos de graduação acentuada, que parecem ainda aumentar mais a dimensão dos seus olhos saídos. Um exemplo exagerado do que é ter “os olhos bem abertos”, sem contudo ver nada de especial. Nem se vislumbram pálpebras, nem pestanas, nem nada; aquilo é tudo um par de olhos gigante. Ver aqueles olhos é uma coisa que só visto. Tomara ela ter uns olhos de goraz. Ou até do Özil, vá lá.

Enfim, eu acredito que é possível ela ser feliz. O Özil também pode, e deve, ser feliz. Aliás, deviam entender-se às mil maravilhas. São tipos, como se costuma dizer, “de vistas largas”. Só o goraz, o pobre goraz da foto, é que já não tem oportunidade de fazer mais nada que não conhecer o sistema digestivo de algum tipo qualquer. Se é que aquilo é mesmo um goraz.

22 maio 2012

Clarabela


Ela vem com todos aqueles equipamentos de série femininos: gosta de roupa, sapatos e malas; perde tempo com dietas, sumos vitaminados e produtos comprados em ervanárias de vão de escada; não perde uma oportunidade de falar dos amigos e família, falando tanto que é pouco crível que haja um segredo que se aguente impune com ela; e é uma adepta fanática desse grande desporto feminino por excelência que é a fofoquice. Seja a fofoquice dos famosos, seja a dos que estão mais próximos: tudo é fofocável. Em cochichos com as amigas nas esquinas, em longas conversas ao telefone e em palavras dispersas no Facebook, todos os fóruns servem e mais alguns serão bem-vindos. Ela fofoca com todos, mesmo até com quem não manifesta interesse na fofoca. Julgo que é uma necessidade de libertação, como se aqueles fait-divers lhe esmagassem o estômago. É um vómito de alívio e nós estamos a segurar-lhe a testa. Na adolescência, deve ter comprado a Bravo alemã só para ver o David Charvet ou qualquer contemporâneo e forrar os cadernos, preferencialmente cor-de-rosa, com coraçõezinhos e fotografias, pedinchando aos pais para sair com as amigas de braço dado num Sábado à noite para uma discoteca qualquer. As contas de telefone (antes de 1998) e de telemóvel (desde então) nunca devem ter sido nada modestas. Pelo menos, não a imagino de outra forma.

Talvez não sejam componentes básicos que nós valorizemos por aí além, mas estão lá e fazem dela um bom exemplo de feminilidade. Se estes requisitos não estivessem minimamente reunidos, estaríamos aqui a lamentar a falta de algum deles e a dizer “ela bem que podia fazer mais o que as mulheres costumam fazer, que já não me sinto bem ter ela a arrotar cerveja enquanto insulta o árbitro quando vemos o jogo na televisão”. Há quem goste de mulheres-rapazes. Eu por mim tolero, desde que haja outros ingredientes adicionais. Mas ter uma tipa que tem o sentido de higiene de um gajo não é uma perspectiva interessante para mim. 

Depois, possui alguns extras: não é loura, nem é burra; tem uma cultura geral bastante razoável e é possível conversar-se com ela sem ser de trabalho ou de temas exclusivamente femininos, como o nome daquela cor que não é bem azul nem bem verde. Nota-se que possui alguma sensibilidade para os gostos masculinos – não que seja algo muito difícil de desvendar, mas nem todas atingem. No fundo, revela alguma experiência relacional, o que tanto pode encorajar os mais afoitos como assustar os mais imberbes. Em casa, porém, não deve ser nada de especial, porque isso não é nada chique para a mulher moderna, que está mais apostada em sobressair a vertente de fada do lar do seu cônjuge (e cônjuge é das palavras mais feias que podem existir, mesmo para fazer sentir mal o “companheiro” ou “parceiro” com todo o seu peso jurídico).

Ora bem, ora bem. Já se falou de requisitos básicos e de extras, mas o que interessa mesmo é o chassis. E o motor. Que é como quem diz, “então mas é gaja é boa ou não?”. A resposta é: não é boa. Mas também não é má. É normal. Talvez um pouco mais encorpada que a média, mas francamente normal. Sem ser especialmente bonita, não é feia. Tem mamas 1.8 de cilindrada num cagueiro movido a gasóleo, o que é razoável, levemente potente, mas nada de extraordinário. Com facilidade terá uma amiga que nos despertará primeiro as atenções, mas também não deverá ser o patinho feio do grupo. Não sendo magra, que “nunca foi” (segundo palavras muito imbuídas de fair-play da própria), também não é especialmente gorda, embora pudesse ter menos um quilito ou outro para efeitos de valorização pessoal. Ela é para os apreciadores de alguma chicha, decididamente não para quem gosta de top-models desportivas, mas também não será bem para os apreciadores de grandes churrascos que adoram camiões de carne. Ela está muito em torno da mediana, apenas com um ou outro pormenor distintivo. E depois, quando sorri, desenvolve duas marcas profundas na cara que delimitam com vigor as bochechas, exibindo com destaque os dentes posteriores. Essas marcas são tão fortes que, a uma curta distância, parece mesmo que tem dois círculos estampados na cara.

E é pelo facto de ficar com dois círculos estampados na cara que ela me lembra a Clarabela, especialmente as suas narinas – duas grandes bolas ali abertas nas trombas. Também me lembra a Popota, mas a Popota é demasiado gorda e muito cabeça-no-ar. A Clarabela também será demasiado magra, mas ajusta-se melhor, até pela idiossincrasia que emana das histórias da Walt Disney, especialmente na vertente “fofoca”.

Ao contrário de muitos reconhecimentos, desta feita primeiro olhei para a Clarabela e só depois para esta tipa. Sabia que naquele sorriso estava uma semelhança com qualquer coisa. Deixei a Popota de prevenção como melhor aproximação. Só quando vi com atenção um determinado desenho da Clarabela a rir-se de frente é que fiz “bingo!” e associei. Já lá vão uns anos e agora já não há nada a fazer, esta tipa parece-me mesmo a Clarabela. Que é uma vaca, para quem não saiba. Acho que, mesmo assim, mais vale ser comparada com uma vaquinha inofensiva, embora claramente periférica no cômputo das personagens Disney, do que com uma hipopótama selvagem.

E porque é que é a segunda gaja que eu comparo com personagens de animação? Intrigante. Cá para mim, é porque os cartoonistas e os argumentistas fizeram um excelente trabalho de caricatura, tanto físico como psicológico. Melhor do que a realidade alguma vez nos poderá oferecer.

21 maio 2012

Nélson Oliveira


Na minha terra havia, há e haverá sempre muita gente parecida com o Nélson Oliveira. Mais uma vez, não se tome a parecença de forma literal. É verdade que conheço alguma gente com as orelhas bem saídas tipo Dumbo e que talvez tenha marcado um golo decisivo no alcatrão lá da escola, mas não é a isso que me refiro. Estou a referir-me à capacidade, intrínseca ou partilhada, de se promoverem como grandes estrelas sem haver grande sustentação para tal.

O Nélson original talvez seja bom rapaz. Talvez venha a concretizar o potencial que se lhe augura. Talvez. Mas, para já, tem menos golos e menos minutos que o Postiga em termos de ligas nacionais. E se é possível estabelecer comparações com o Postiga, então é porque a coisa não é boa. Independentemente disto, é impossível obter uma crítica adversa em relação aos poucos minutos que ele esteve em campo – se ele se deteve com a bola quando tinha um colega em boa posição, leremos “é a vontade natural em mostrar serviço”; se ele falhou redondamente numa posição favorável, é porque “o ângulo era já muito apertado”. Por ângulo apertado, entenda-se um ângulo a tentar entrar num comboio que furou uma greve dos transportes e não um ângulo claramente inferior a 45º do poste mais próximo – mas o tema dos ângulos apertados ficará para outras núpcias.

Depois de um Verão em alta, onde um ou outro golo pelos juniores aguçou o instinto inato para a deificação por parte dos portugueses em particular e dos lampiões em geral, Nélson passou por uma fase de obscurantismo e, na melhor das hipóteses, medíocre. O culminar da grande progressão desta época traduziu-se em meia-dúzia de remates jeitosos e no relegar de Yannick Djaló para o extremo… da bancada. E, se há uma segunda lição a retirar das comparações, é a de que o gajo que pode ser simultaneamente comparado com Postiga e Djaló não pode ser necessariamente bestial. Pelo menos, por enquanto.

Admiravelmente, estes parcos atributos valeram-lhe capas de jornais, chamada à Selecção, spots publicitários, prémios de revelação e admito até que seja a cara do emblema dele na montra oficial do clube. Nunca fazer tão pouco rendeu tanto. E a carreira dele ainda mal começou.

Também eu conheci lá na terra alguns gajos assim. Tipos de quem se dizia, “ah e tal, o gajo é muita bom”, “lá vem ele para arrebentar com isto”, “este gajo tem o cu virado para a lua” e cenas do género. Sempre foi uma terra muito pródiga na construção de tigres de papel. Desses gajos eu nunca vi nada de especial: nem soft skills extraordinários, nem um físico assim tão portentoso, nem acções, nem nada. Mas tinham uma pose e uns soundbytes deliciosos. Tinham jactância e positivismo irracional a rodos. Auto-promoviam-se com estórias mirabolantes, relatos heróicos de coisa nenhuma. Tinham sempre alguém que corroborava os feitos, geralmente alguém que gostava de ficar com as sobras. E com isso, faziam amigos, arranjavam namoradas, eram convidados para tudo o que era fixe e movimentavam-se muito bem nestes círculos virtuosos que cresciam naturalmente. Nisso tinham mérito. Mas, para além disto e da sua desinibição imaginativa, também não tinham mais nada. O grande valor deles era precisamente o de fazerem das suas imensas fraquezas enormes forças, o de cimentarem uma imagem apenas com base na gabarolice e de conviverem muito bem com este desequilíbrio entre o real e o imaginário tornado real. No fundo, eles próprios convenceram-se que eram bons, as pessoas à volta reconheciam que eles eram bons sem questionar e todo o mundo vivia feliz.

Para mim, as coisas também foram assim, pragmáticas, durante algum tempo; convenci-me que aquela aura de grandiosidade, aquela publicidade franca e gratuita, era qualquer coisa de natural, dados os seus feitos: ou se tinha, como eles; ou não se tinha, como eu, que teria que me esforçar a sério para fazer qualquer coisa que fosse reconhecida e mesmo assim não teria garantias de sucesso, pois achava, com o negativismo que esses gajos nunca tiveram, que mesmo aquilo em que era sucedido não era aquilo que atraía o resto das pessoas, sempre mais afoitas a reconhecer outras coisas mais do gosto geral, como marcar golos, engatar gajas ou contar piadas. Mas depois vi o outro lado, a fraqueza da sua glória, a pequenez da sua cultura, a pobreza dos seus espíritos. Eram tudo menos seres perfeitos, tudo menos ídolos, acreditem. As mentiras revelavam-se uma atrás da outra. Não se podia contar com eles em situações de aperto, eram os primeiros a debandar ou a enjeitar responsabilidades, das quais fugiam com a mesma esperteza saloia com que impingiam as suas qualidades aos demais. Jamais se retractaram perante o exagero da sua figura. Ainda continuam pedantes, com a sua legião de fãs, mas aquilo já não me aflige, porque percebi o vácuo em que assentavam as fundações da sua personalidade. Eu sou assim, demasiado low-profile, e eles são assim, demasiado high-profile, estamos muito bem assim e há mercado para todos – embora aparentemente, só exista o deles. Mas a “maioria silenciosa” será sempre a maioria e o conteúdo, se houver justiça, prevalecerá sobre a forma.

O Nélson também estará bem. Pudera, é um suplente com um estatuto desmesurado. No caso dele, vejo muito mais influência externa do que pessoal e vejo algum valor… não o suficiente para tamanho hype, mas algum valor. O grande problema do Nélson, que não será bem um problema, é mesmo a necessidade de criar um mito para dar às massas para elas regurgitarem como a atracção da época, para mais estando no clube em que está. Ele aproveitará até concretizar a sua fama ou até as pessoas se fartarem dele e abraçarem outro ídolo pré-fabricado, que adorarão incondicional e irracionalmente. Já os tipos da minha terra estão mais numa corrida de fundo e não precisam de correr com tanto afã à procura do reconhecimento, sendo que alguns entretanto já caíram em desgraça junto de quem lhes adorou, partindo para novas paragens de modo a recomeçarem os seus joguinhos de manipulação de imagem com outra gente menos experimentada. O Nélson ainda pode ter uma saída airosa, coisa que estes gajos dificilmente poderão ter.

16 fevereiro 2012

Chris Lowe

O gajo que aparece na foto é o Chris Lowe dos Pet Shop Boys. Os Pet Shop Boys são ícones gay. Concedo. Parece evidente e inquestionável. A verdade é que também são indissociáveis da melhor música electrónica que se fez nos anos 80. A música era tão boa que, hoje em dia, se tivermos que escolher uma banda-sonora para os anos 80, alguma coisa dos Pet Shop Boys terá de ser escolhida, sob pena dessa banda-sonora ter a credibilidade semelhante à do João Ferreira a apitar um jogo do Sporting. Pode ser “West End Girls”, “Suburbia” ou “Rent”, eles capricharam, há que reconhecer com a masculinidade, também inquestionável, que me assiste.
Isso faz dos anos 80 uma década gay? Muito provavelmente, sim – parece que os armários explodiram nessa década. Não só gay, como implicitamente pedófila, ou não fosse a década onde uma grande quantidade de videoclips conta com crianças a dançar no meio de adultos, vestidas como gente grande e agindo como se não fossem três réis de gente – e estou a pensar especificamente em “Open Your Heart” da Madonna –, de uma forma tão enjoativa quanto questionável à luz dos preceitos vigentes no século XXI. Ou então eram os adultos a infantilizar-se despudoradamente, o que é igualmente válido. O dançar dos anos 80 também é assim um bocado para o gay, bem como as cores das roupas, os penteados e os carros vermelhos por todo o lado. Portanto, se eu tivesse que eleger o pináculo da primazia gay na cultura pop, esse zénite (que não de S. Petersburgo) seria os anos 80. Isto do casamento gay é apenas uma iniciativazita da esquerda caviar sem nada para fazer do século XXI, nem sequer faz cócegas ao massivo choque visual dessa década.
Mas chega de paneleirices, porque eu estou aqui para escrever sobre a similitude de um tipo que conheço face ao Chris Lowe. O curioso é que ele não é fisicamente parecido. Em nada. Nem sei se será gay ou não, não me importa. A parecença está na postura: assim como o Chris Lowe mexia-se o menos possível e conservava sempre um ar circunspecto sem nunca esboçar um esgar que fosse, este tal gajo era igual. Dele não esperaríamos um sorriso para a foto. Jamais. Sempre sisudo. Não confundir com “estar de trombas”. Nada disso; geralmente, sabe-se quando alguém está de trombas: é quando está pior que o normal. Mas a normalidade dele era mesmo aquela: nenhuma emoção.
Contávamos anedotas às quais ele não reagia. Conversávamos durante horas sem ele intervir. Mostrávamos-lhe coisas giras à qual ele respondia “bela merda!”, acendendo um cigarro e colocando a outra mão no bolso com desdém. Embebedávamo-nos e ele, embora mais expansivo e quiçá sorridente, não alinhava com as paródias do pessoal. Falar alguma coisa para ele era falar muito. Era um outsider puro. Gostava de ser um outsider, um solitário, um Dirty Harry sem pistola mas com um Zippo. Acho que se esforçava a fundo para sê-lo. Mas não era má pessoa de todo. Tinha algum sentido de justiça. Partilhava com quem não lhe chateasse muito, mas era inflexível com quem o chateasse demais – era capaz de estar anos sem dirigir uma palavra que fosse a um tipo com quem tivesse tido uma questiúncula de meros cêntimos. E de certeza que esse gajo nunca mais viria a recolher as suas parcas boas graças. Era ressentido, é verdade. Não esquecia quem não lhe apreciava. Fosse homem ou mulher. As gajas nem desgostavam dele, mas ele também não sabia propriamente aguentá-las durante muito tempo. Ele queria era apalpá-las logo nos primeiros minutos. Se elas deixassem, tudo bem, podia haver relacionamento; se elas o repelissem, ele diria “que sa foda!” e voltava a fumar um cigarro em silêncio.
Escusado será dizer: este Chris Lowe, este monumento à inexpressão pouco empático, não tinha muitos amigos. Os verdadeiros amigos, segundo conseguíamos perceber, não éramos sequer nós, eram tipos que viviam lá para trás do sol-posto. Aliás, a verdadeira ambição dele era fugir daqui e ir para lá, onde tudo era bom e bonito e ele uma pessoa interessante e proactiva – segundo palavras do próprio; o velho truque do “eu sei onde é o paraíso, mas é tão secreto que eu não estou autorizado a levar ninguém comigo”. Havia sempre qualquer coisa de extraordinária nessa terra das impossibilidades, das poucas histórias que nos contava. Eram quase sempre as mesmas histórias, com as mesmas personagens e no mesmo sítio. Uma coerência e previsibilidade monstruosas. E nós só tínhamos que acreditar que, lá longe, ele seria bem diferente e tudo o que se passava aqui era um tormento, explicando assim a sua atitude. E as coisas nunca mudaram muito, embora, com o tempo, víssemos fotos no Facebook e até no Hi5 nas quais o seu rosto fechado continuava predominante, mesmo naquelas com os “grandes” amigos e naquela “grande” terra. Ou então era ele a manter a pose. Pouco provável. Depois acabou com qualquer vestígio de rede social. Pelo menos na Internet. Mas na vida real não devia ser muito diferente.
Com os amigos que tinha, gostava de ir para os copos e criar uma certa intimidade dentro de limites muito estreitos e bem definidos. Talvez sonhe com uma viagem ao Brasil e descobrir assim o eldorado da feminilidade que costuma suceder nestes casos de solidão crónica. Mesmo que seja uma solidão meio auto-imposta. Talvez. Desde que isso não lhe afectasse muito a rotina. Vivia com frugalidade – imitações espanholas ou de feira de alguns produtos serviriam, se fossem bem feitas e monetariamente vantajosas. Se fosse necessário, vestia roupa usada pelos amigos. Nisto não seria bem um Chris Lowe, que, como estrela pop – ou integrante de um duo que era sensação pop – não iria vestir nada que fosse vestido, sei lá, por um Limahl. Mas isto digo eu. Só sei que na postura física este gajo era o melhor imitador possível do Chris Lowe, sem provavelmente sabê-lo.

17 janeiro 2012

Miss Piggy

Há quem diga que os animais são melhores que os humanos. Não é novidade. Para mim, até há animais que representam melhor uma parecença com certos humanos que outros humanos. Se são humanos demasiado animalescos ou animais demasiado humanos depende da situação, mas eu diria que os animais não merecem ser comparados aos humanos e que esta é apenas mais uma da longa lista de atrocidades que diariamente perpetramos contra eles.
Porém, não consigo resistir a comparar uma certa pessoa a uma porca (não aquilo que vai com o parafuso, mas “a mulher do porco”). Não uma porca qualquer, mas uma porca ficcional antropomórfica. Daquelas que até poderão posar para a Playboy e que falam e tudo. Sim, eu conheço vários porcos que falam. E que fazem muito mais porcaria que um simples porquinho. E porcaria da perigosa, embora não necessariamente mal-cheirosa.
Só de olhar para a Miss Piggy vem-me à mente uma gaja que conheci. Também há tipas que me lembram a Clarabela (que é uma vaca da Disney). Mas agora estou virado para a Miss Piggy.
As semelhanças eram incríveis. Ao nível físico, devido ao cabelo louro, ao corpo matulão, aos olhos claros e até ao nariz, que era um bocado empinado e que lhe conferia uma aspecto um pouco… suíno. Ao nível psicológico, porque era também dada a ataques de fúria e capaz de desencadear vendavais com os seus modos bruscos, sendo que no dia (ou na hora) seguinte já poderia haver mil-sorrisos e lamechice. Também houve relatos de algumas atitudes bem porquinhas por parte dela, mas poderiam ser apenas rumores. Embora fossem excelentes histórias. E ela também era ambiciosa e gostava de ser a número um incontestada. Até ao nível sentimental havia semelhanças, dado que ela tinha o seu Cocas. Teve vários Cocas que eu conheci e outros tantos que não conheci, mas dos quais ouvi falar. O Cocas que eu conheci melhor acabou por fazer dela o que quis, ao passo que o Cocas original apenas queria distância e sossego. Mas este Cocas que conheci tinha as hormonas em ebulição, estava naquela fase de adolescência quando se diz “em tempo de guerra, todo o buraco é trincheira” e, claramente, havia uma guerra não-declarada para tentar sacar o maior número de fêmeas e da forma mais cool possível. E o que podia ser mais cool do que ter uma gaja sempre disponível (excepto quando “o Benfica jogasse em casa”) e que, se fosse preciso, ainda tomava a iniciativa para fazer aquilo que outros, por muito que mendigassem, não conseguiam fazer? Luxo.
Palavra que sempre a comparei com a Miss Piggy e já pensava nisto naquela altura. Nunca lho sugeri, porque, na verdade, ela tinha uma compleição física que impunha respeito, uma chapada dela deveria mesmo aleijar, eu nunca fui assim muito corajoso e não fazia sentido levantar a questão junto dela – se queremos dizer mal, é melhor dizer pelas costas, já que é isso que toda a gente faz e toda a gente não pode estar errada. Além do mais, eu era conhecido do Cocas e etc. e tal. A vida dela parecia ir mesmo a caminho da pocilga. Augurava-lhe um belo destino num bairro social, aos berros à janela e com vários filhos ao pé dela, com o Cocas a emborcar minis e a comer pipis no café da associação de moradores do bairro.
A vida dela começou a mudar quando, um pouco mais tarde, o Cocas fartou-se de tantas facilidades e ela também perdeu algum interesse. Foi aqui que se ocorreu aquilo que parece que só existe nos filmes, mas que existiu na realidade neste caso e que poderá ter acontecido em mais alguns lados em moldes semelhantes. É que houve sempre aquele tipo que andava sempre à coca (note-se a ironia) dela, durante anos. Desde o berço, para aí. Toda a gente sabia, seguramente que a própria Miss Piggy também. Vou designar-lhe por Anti-Cocas. Era um tipo com alguns princípios, claramente fascinado pela Miss Piggy ao ponto de sofrer sucessivas humilhações por ela, a maioria num silêncio cruel, mas ela não fazia mais do que reconhecer a sua presença. É como imaginar a relação da Lisa Simpson com o Milhouse. Porém, naquele período de alguma agitação pós-Cocas, algures num vazio sentimental que se deve ter formado, o Anti-Cocas apresentou-se-lhe como boa solução a médio-longo-prazo e sem falsas intenções. Deu-se uma epifania. O Anti-Cocas devia ser o melhor partido para ela. E, até ver, foi mesmo: atinaram-se, casaram-se, tiveram filhos, não sei se têm um cão e um jardim à porta de casa, mas estão na primeira linha do “viver felizes para sempre”.
Não voltei a reencontrá-la pessoalmente, julgo que terá uma vida normal e longe do bairro social, mas vi uma foto há pouco tempo e devo dizer: o Photoshop, mesmo quando utilizado superficialmente, é fantástico. Ela parecia uma diva de cinema dos anos 40, com aquela brutalidade repentina substituída por uma serenidade digna de uma santa qualquer e com uns bons quilos a menos. Mas, para mim, aquela aura de Miss Piggy é indelével. Miss Piggy foste, Miss Piggy serás.