17 janeiro 2012

Miss Piggy

Há quem diga que os animais são melhores que os humanos. Não é novidade. Para mim, até há animais que representam melhor uma parecença com certos humanos que outros humanos. Se são humanos demasiado animalescos ou animais demasiado humanos depende da situação, mas eu diria que os animais não merecem ser comparados aos humanos e que esta é apenas mais uma da longa lista de atrocidades que diariamente perpetramos contra eles.
Porém, não consigo resistir a comparar uma certa pessoa a uma porca (não aquilo que vai com o parafuso, mas “a mulher do porco”). Não uma porca qualquer, mas uma porca ficcional antropomórfica. Daquelas que até poderão posar para a Playboy e que falam e tudo. Sim, eu conheço vários porcos que falam. E que fazem muito mais porcaria que um simples porquinho. E porcaria da perigosa, embora não necessariamente mal-cheirosa.
Só de olhar para a Miss Piggy vem-me à mente uma gaja que conheci. Também há tipas que me lembram a Clarabela (que é uma vaca da Disney). Mas agora estou virado para a Miss Piggy.
As semelhanças eram incríveis. Ao nível físico, devido ao cabelo louro, ao corpo matulão, aos olhos claros e até ao nariz, que era um bocado empinado e que lhe conferia uma aspecto um pouco… suíno. Ao nível psicológico, porque era também dada a ataques de fúria e capaz de desencadear vendavais com os seus modos bruscos, sendo que no dia (ou na hora) seguinte já poderia haver mil-sorrisos e lamechice. Também houve relatos de algumas atitudes bem porquinhas por parte dela, mas poderiam ser apenas rumores. Embora fossem excelentes histórias. E ela também era ambiciosa e gostava de ser a número um incontestada. Até ao nível sentimental havia semelhanças, dado que ela tinha o seu Cocas. Teve vários Cocas que eu conheci e outros tantos que não conheci, mas dos quais ouvi falar. O Cocas que eu conheci melhor acabou por fazer dela o que quis, ao passo que o Cocas original apenas queria distância e sossego. Mas este Cocas que conheci tinha as hormonas em ebulição, estava naquela fase de adolescência quando se diz “em tempo de guerra, todo o buraco é trincheira” e, claramente, havia uma guerra não-declarada para tentar sacar o maior número de fêmeas e da forma mais cool possível. E o que podia ser mais cool do que ter uma gaja sempre disponível (excepto quando “o Benfica jogasse em casa”) e que, se fosse preciso, ainda tomava a iniciativa para fazer aquilo que outros, por muito que mendigassem, não conseguiam fazer? Luxo.
Palavra que sempre a comparei com a Miss Piggy e já pensava nisto naquela altura. Nunca lho sugeri, porque, na verdade, ela tinha uma compleição física que impunha respeito, uma chapada dela deveria mesmo aleijar, eu nunca fui assim muito corajoso e não fazia sentido levantar a questão junto dela – se queremos dizer mal, é melhor dizer pelas costas, já que é isso que toda a gente faz e toda a gente não pode estar errada. Além do mais, eu era conhecido do Cocas e etc. e tal. A vida dela parecia ir mesmo a caminho da pocilga. Augurava-lhe um belo destino num bairro social, aos berros à janela e com vários filhos ao pé dela, com o Cocas a emborcar minis e a comer pipis no café da associação de moradores do bairro.
A vida dela começou a mudar quando, um pouco mais tarde, o Cocas fartou-se de tantas facilidades e ela também perdeu algum interesse. Foi aqui que se ocorreu aquilo que parece que só existe nos filmes, mas que existiu na realidade neste caso e que poderá ter acontecido em mais alguns lados em moldes semelhantes. É que houve sempre aquele tipo que andava sempre à coca (note-se a ironia) dela, durante anos. Desde o berço, para aí. Toda a gente sabia, seguramente que a própria Miss Piggy também. Vou designar-lhe por Anti-Cocas. Era um tipo com alguns princípios, claramente fascinado pela Miss Piggy ao ponto de sofrer sucessivas humilhações por ela, a maioria num silêncio cruel, mas ela não fazia mais do que reconhecer a sua presença. É como imaginar a relação da Lisa Simpson com o Milhouse. Porém, naquele período de alguma agitação pós-Cocas, algures num vazio sentimental que se deve ter formado, o Anti-Cocas apresentou-se-lhe como boa solução a médio-longo-prazo e sem falsas intenções. Deu-se uma epifania. O Anti-Cocas devia ser o melhor partido para ela. E, até ver, foi mesmo: atinaram-se, casaram-se, tiveram filhos, não sei se têm um cão e um jardim à porta de casa, mas estão na primeira linha do “viver felizes para sempre”.
Não voltei a reencontrá-la pessoalmente, julgo que terá uma vida normal e longe do bairro social, mas vi uma foto há pouco tempo e devo dizer: o Photoshop, mesmo quando utilizado superficialmente, é fantástico. Ela parecia uma diva de cinema dos anos 40, com aquela brutalidade repentina substituída por uma serenidade digna de uma santa qualquer e com uns bons quilos a menos. Mas, para mim, aquela aura de Miss Piggy é indelével. Miss Piggy foste, Miss Piggy serás.