24 junho 2020

Na Boca Dela


Quando for chefe dela, vou olhar-lhe de cima para a sua tibieza latejante e ao tocar-lhe ao de leve na cara, apenas com a parte de trás de dois dedos, dir-lhe-ei "do not disappoint me...". Como o Herr Flick com a Helga. "You may suck me now". Mas com a postura dum Alan Rickman e os diálogos dum Jeremy Irons. "Mind your teeth. Don't make me lose my temper". Digo eu com as mãos nos quadris, fleumático mas ameaçador. Mesmo à patrão. Até teria suspensórios e cabelo brilhante puxado para trás. Vários troféus de torneios de golfe espalhados atrás na extensa secretária pesada, escura e luxuosa. Uma foto da equipa toda sorridente lá pelo meio comigo no centro. O sorriso mais cativante de todos. E as melhores marcas de roupa também. O diploma do MBA exibido com orgulho na parede. Os desenhos dos filhos com letras toscas onde se lê “amo-te pai” perdidos no meio de memos de sociedades de advogados. Uma moldura com a foto de uma família feliz num plano de destaque. Um candeeiro daqueles que traz extrema felicidade nos Sims. Não há lareira, mas é como se houvesse; na penumbra do soalho alcatifado, ela estaria de joelhos e uma sombra alaranjada dissimularia as suas feições, agravando as minhas.



Eu vestiria uma camisa aparentemente branca, mas já com nódoas permanentes de sémen no fundo, que lhe conferiria uma matiz amarelada. Isto porque elas mamavam muito e nem sempre engoliam tudo, como deviam. Também há amiúde um jacto que desenha uma órbita imprevisível e os pingos finais que depois escorrem e colam-se ali entre o umbigo e a pila, como se fosse uma brilhantina para aquelas pilosidades que deixa uma espécie de resíduo salino. É desagradável. E nessa altura eu esbofeteio-as e digo-lhes "you're unworthy of tasting my flesh", mas concedo-lhes sempre uma nova oportunidade e elas acho que até gostam de ficar com as bochechas rosadas com a marca dos meus dedos. Às vezes elas aguentam a esporra na parte inferior do maxilar, inundando a língua e o espaço entre os dentes e o lábio de baton de uma meita em castelo, com algumas bolinhas, qual jacuzzi de esperma na boca delas. Engoliam tudo aquilo, prestimosas. E sorriam, com a secreção a descer até à carpete. Pareciam bonequinhos de cera esfomeados, famintas por uma guloseima. Still, shirts are better plain white. Yellow means disengagement. Carelessness. You don’t want to be careless, do you? Do you, jizz sucker?



Depois ela iria para a casa, sonhar com escravos sexuais plasmados de cabedal negro ao aquecer a sopa no microondas. O caminho todo no seu Hyundai sintonizada na M80, acompanhada pelo oscilar dum ambientador com enjoativo aroma a baunilha pendurado no retrovisor e ela a fantasiar com as veias pulsantes dum belo falo pré-ejaculação na ponta do seu nariz por entre a azáfama do trânsito vespertino. Passaria aquela dos Blondie que risca sempre no final e entra em loop na parte do sintetizador e do “la-la-la, lalalalala-lalala-lala” e ela deslizaria a língua pelos lábios, naquele tique já tão corriqueiro de sentir a pasta tépida nos cantos da sua boca gulosa. Chicotes e algemas que estalariam na sua mente com o tlim da sopa pronta. Pepinos que teriam uma consistência tão tentadora e que provocariam calores se os tocasse, fechasse os olhos e imaginasse naughty things. Iria para o puff deslizar os dedos pelo tik-tok na tentativa de se distrair, porém imagens de caralhos tesos e impregnados dum fedor testosterónico assaltar-lhe-iam a consciência, imprimindo selvagens desejos de tudo querer consumir, toda aquela torrente de esporra viscosa, semente de vida e objecto pastoso de prazer, ícone da masculinidade em cheio nas suas pestanas, de leve no seu nariz, em pinceladas esporádicas no seu cabelo. Ah, era bom sorver o sumo do orgasmo, o quente derramado nela, marfim derretido duma tromba pujante, a recompensa pela sua submissão voluptuosa. E porque dizem que faz bem à pele. Ninguém sabe ao certo. Diz-se que sim. 



Há iogurtes naturais que sabem pior. Isto é o que diz a Elsa. Diz que no Aldi há para lá uns dos mais baratos que levou só para experimentar que tinham extracto de líchia ou lá o que era que ainda sabiam pior que a meita do Roberto. O Roberto era o marido da Elsa. Para a Elsa, é um dado adquirido para todo o mundo que “Roberto” é o “meu marido”. Mas ela diz que beber esporra não é bem a cena dela. Que até já engoliu "mas mais por engano, o Roberto entusiasmou-se um bocado e prontos, foi mais coiso". Que o pior até são os pintelhos, quando se enfiam entre os dentes e depois é preciso dar um beijinho nos filhos. E os avós notam. O Sr. Figueiredo bem pensava lá com os seus botões "macacos me mordam se aquilo não é um pintelho mesmo ali a sair dos dentes da minha filha. A porca esteve a mamar na gaita daquele estúpido do Roberto outra vez. Caralhos ma fodam, a quem é que ela saiu?". É que o Sr. Figueiredo daria o cu e cinco tostões para se vir na boca duma gaja qualquer. Desde jovem, de quando batia umas punhetas no meio do milheiral a pensar nas maminhas empinadas da Vitória, que ansiava por vir-se mesmo em cheio para as trombas delas. Foda-se, à homem! Com a Lígia, sua mulher, não. Não há aquele ambiente. Já não é possível dissociar a dentadura dentro do copo na mesa da cabeceira desta relação. Em linguagem rural diz-se que a Lígia “seca o pessegueiro”; as novas gentes estão mais acostumadas ao termo “turn off”. Bom, bom, era papar a amiga da filha, que é caladinha mas jeitosita, umas boas mangueiradas de meita naquelas ventas só lhe fariam era bem! Para ver se espevita, a moça! E depois porque deveria ser óptimo sentir aquela serva tão quieta a levar com o jacto de esperma em cheio na covinha entre o nariz e o lábio e estes, grossos, a serem chapados com generosas pingas aquecidas. Sem uma palavra a não ser a respiração arfante e as pestanas dela a tentarem abrir por entre os estragos do orgasmo.



Mas a Elsa não é de se confiar. É enrabada regularmente, todavia diz que só levou no cu "uma vez" e foi porque o Roberto "se enganou". "Tinha bebido nessa noite e tinha falado com uns amigos e mai não sei quê, mas nem chegou a entrar a sério". "Ele tentou, mas não estava a conseguir... coitado". Mas depois é comprar geles e vaselina em barda do Intermarché, lá daquela marca deles, para quê? Ela leva no cu e leva bem. Tem vergonha de admitir porque “o cu não foi feito para essas coisas”, vá-se lá perceber porquê. E também porque gosta de deixar no ar que é ela quem manda e ninguém lhe vai ao cu. Há esse lado reputacional. Mas até se põe de lado quando se senta lá às vezes no café. Às 5as. Que é quando o Roberto sai mais cedo lá da gráfica para ir buscar os miúdos aos avós. Ela espera-o em casa antes de ele ir buscar os miúdos e pumba!, incha que é Pacheco! Mas tudo bem. Gostos não se discutem. A nossa personagem gosta mais de ser atulhada de esporra. A primeira vez foi literalmente fechar os olhos e sonhar com chantilly. Depois começa a apreciar-se a cena. A perceber-se as pequenas contracções que indiciam a proximidade da ejaculação. Os olhos fechados e os músculos tesos. O homem inoperante nas suas lascívias e ela ali, a beber daquilo, de joelhos, nua, no chão, sem outra regalia que não usufruir daquele néctar. E depois limpar com toalhitas húmidas da Ausónia. A Elsa também diz que as usa, mas para limpar o cu. E ainda quer fazer-nos crer que não lhe rebentam a bilha.



“Look at me”. Haveria um copo de whisky pousado no canto da minha mesa. Eu só funciono bem com scotch on the rocks. As a boss should. E só penso em inglês. Com sotaque britânico, que é mais perverso. As a boss would. Coisas que fazem a diferença. É o principal elemento distintivo entre um Hans Grüber e um Zé Pequeno, por exemplo. Todo um universo de classe de distância. E ela tardar-se-ia a contemplar-me agachada mas olhar-me-ia com aquela pintura esborratada no seus olhos de abandono e eu apertar-lhe-ia o queixo com firmeza, esborrachando os seus lábios. “Do swiftly what I tell you!”. A olhar-lhe fixamente nos olhos e boca perfeitamente na horizontal. Ela iria sentir a frieza do meu anel na sua cara e a frieza da minha alma nas suas extremidades nervosas. Engoliria em seco, a medo. E depois haveria um breve impasse que eu iria desfazer. “Remove your clothes”. E ela iria recompor-se, endireitar-se e, meio titubeante, iria começar a desapertar o botão cimeiro da sua camisa. “Shoes first”. Eu seria um chefe muito mais implacável do que a minha imagem suporia. Nos vídeos da empresa apareceria afável, but that’s only part of the game. Ela não. Ela não sabe fingir. Nem orgasmos. Que tentaria fingir se soubesse o que são. E falharia. Não seria sucedida e ficaria conformada com a boca caída e os olhos meio oblíquos chamando por uma lagrimazita. A Elsa diz que sabe o que são orgasmos. Que as pessoas ficam “coiso”, “tipo sei lá”. Era esclarecedor para ela. Uma explicação familiar. Era mais uma para o monte das coisas que são inexplicáveis. Better leave it unsolved. E a Elsa diz que uma vez tremeu “para aí cinco minutos sem parar, não sei o que me aconteceu, parecia um boneco da Duracell”. Mas tremer assim é bom? “Não é aquele tremer de frio, é mais coiso, sei lá, tens como que uma cena dentro de ti que te atravessa. Mas não é mau. Não é nada mau”. E o Roberto? “O Roberto o quê?” Como é que ele estava? Estava assim todo excitado e teso e com vontade de... “Ah, isso aconteceu-me comigo sozinha, o Roberto nesse dia tinha ido à pesca ou lá o que foi. Não há ninguém que faça tão bem por mim como eu mesma.”



Se há coisa que a Elsa sabe é desenrascar-se. Se não há cão, caça-se com gato. É o tipo de gaja que sabe onde estão as melhores promoções e compra tudo em packs “porque compensa”. Que pede o bagaço da casa ao dono, sussurrando-lhe cúmplice ao balcão por aquela “pinga aí que o chefe sabe”. Que compra coisas fora da validade só pelo desconto pois “os gajos metem sempre uma grande margem nas datas e não há perigo nenhum; já comi uma mostarda fora do prazo há três anos e estava boa”. Que nunca toma medidas contraceptivas nos dias imediatos ao fim da menstruação porque “sei como funciono e nunca me dei mal”. But I couldn’t care less. Right now, you’re naked. And you’re kneeling before me. You know what to do. E fixaria o meu sexo empinado uma vez e a ela outra, com um brilho escuro reflectindo-me nos olhos. E sim, ela saberia o que fazer. Fazia-o bem e como gostava daquilo. Como saberiam as professoras da catequese a lambona que aquela menina tão pacata e temente se iria tornar. Bom ambiente familiar. Sem farturas nem vícios. Poucos namorados. Timidez e recato. Ainda decora o quarto com bonecas. Lê os livros do top do supermercado. Tem Instagram e algumas fotos de viagens ao estrangeiro. Agora tem emprego nesta firma. Tem uma vida estável e cumpre tudo, desde as taxas turísticas às doações aos escuteiros. Não diz uma asneira pior que “chiça!”. E mama caralhos como o caralho. Paradoxal. Ou talvez não. Such are the ways of Mother Nature. Ela afagar-me-ia o saco e retocaria as unhas com um verniz magenta mas nunca me arranharia, ai dela. Ainda assim, eu reagiria: “gently”. E ela engoliria todo o meu pau duma vez só até eu fazer dlim-dlim na úvula dela. Ela iria colocar a minha pose sóbria em risco.



Eu não teria este comportamento com ela em jeito de exploração duma parte supostamente mais fraca. Não, até porque tenho alguns preceitos morais e sou saudável de espírito. Preferiria encarar isto como um aproveitar de sinergias e um acréscimo mútuo de valor às nossas vidas, enquadrando a questão numa linguagem empresarial mais comum para as pessoas que me lêem aí em casa junto da sua família me compreenderem bem. A win-win situation, em síntese. Que isto são só dois dias e um deles passa-se em casa para prevenir a pandemia. E ela mama bem e andava à toa. E eu procuro quem mame bem e por acaso ela até veio para aqui trabalhar. E ela só me pede para “beber o leitinho todo” que tanto gosta. E a mim não me custa nada. Custa é ter de roubar comida para dar aos filhos, os filhos que são nosso farol de esperança neste mundo de gente má. Isso sim, é degradante. Um mau exemplo para as gerações futuras. Isto não, são humanos a ser humanos e a fazerem coisas humanas, daquelas boas. É natural and all that stuff. E somos todos adultos e compreendemos bem que há algum grau de encenação no nosso sexo, mas se for necessário até usamos uma safe word entre nós. Então não há problema. It’s consensual between two adults. It’s all we need. Ela perceberia que a minha cabeça estaria mais rubra, quase acesa, e que haveria uma dilatação dos vasos sanguíneos; tiraria a minha pila da sua boca salivosa, esfregaria-a bem diante da sua tromba, schlek-schlek, num movimento ritmado de punho, abriria o hangar que era a sua boca, esticaria a sua língua como um tapete e aguardaria ansiosa pelo derrame de sémen, a morna monção branca como uma pasta santa sobre si.



“Aaaaah, me corro!”, soltaria eu em espanhol; sim, porque quando tenho orgasmos expresso-me em espanhol. Cosas de mi juventud. “Oh sí... sííííííííííí! Puta madre! Joder!” E ela a besuntar-se com a minha langonha, lânguida, satisfeita, meita tão quentinha a jogar dominó nas suas papilas e a calcorrear todo o seu esófago qual magma até lá baixo ao estômago. Esporrar-lhe-ia no focinho como um elefante azul numa lavagem de automóveis. Até de champô lhe serviria. E ela ficaria pelo chão enquanto eu recuperaria a minha compostura, chupando os seus dedos, lambendo-me a ponta da pila, quase que diria à espera de mais. Mas como pode haver mais? Achas que isto é uma nascente? “Get up and get going” é tudo o que terei para lhe dizer. E ela não levará a mal. A Elsa diz que ela deveria levar as coisas mais a mal. Que não é para dizer sempre “tudo bem” a tudo. Que a pessoa às vezes deve revoltar-se e soltar o que lhe vai na alma. Que uma vez uma mulher passou-lhe à frente na fila e levou os últimos bilhetes para o concerto do Alejandro Sanz e ela nem ai nem ui e depois nicles, o bom do Alejandro nem vê-lo. “Deves reagir mais, melher. Ai que atraso de vida!...”. Mas também não se perdeu muito, que o Alejandro é uma bela porcaria e ela só iria mesmo para a Elsa não ir sozinha. E ela não leva as coisas a mal, é verdade. Isto uma pessoa tem é que estar em paz. Ser boa para os outros, sem ressentimentos nem inimigos. É a base de tudo. Depois alguma coisa há-de se arranjar. Eu ainda a deterei quando ela se abeirar da porta para sair, segurando-lhe no braço e chegando-me perto dela para ela sentir o meu aroma masculino. “You’re a whore. And you know it”. Depois pegaria no casaco que ela se iria esquecer, atirá-lo-ia para o meio do corredor frio e fecharia a porta com algum estrondo. Ela ficaria no escuro, imóvel por momentos. Então iria para casa e entreter-se-ia a ver séries e a comer pipocas daquelas que se compram nos hipermercados e que se se deixam aquecer durante muito tempo no microondas ficam todas queimadas e grudadas ao invólucro. Eu, na poltrona do escritório, relaxado, acabaria o meu whisky e lançaria um olhar confiante sobre a silhueta dos prédios da cidade na noite exterior debruada a luzes e néons, com um violoncelo lúgubre como som de fundo e a câmara em fade out.