Ela vem com todos aqueles equipamentos de série femininos:
gosta de roupa, sapatos e malas; perde tempo com dietas, sumos vitaminados e
produtos comprados em ervanárias de vão de escada; não perde uma oportunidade
de falar dos amigos e família, falando tanto que é pouco crível que haja um
segredo que se aguente impune com ela; e é uma adepta fanática desse grande
desporto feminino por excelência que é a fofoquice. Seja a fofoquice dos
famosos, seja a dos que estão mais próximos: tudo é fofocável. Em cochichos com
as amigas nas esquinas, em longas conversas ao telefone e em palavras dispersas
no Facebook, todos os fóruns servem e mais alguns serão bem-vindos. Ela fofoca
com todos, mesmo até com quem não manifesta interesse na fofoca. Julgo que é
uma necessidade de libertação, como se aqueles fait-divers lhe esmagassem o
estômago. É um vómito de alívio e nós estamos a segurar-lhe a testa. Na
adolescência, deve ter comprado a Bravo alemã só para ver o David Charvet ou
qualquer contemporâneo e forrar os cadernos, preferencialmente cor-de-rosa, com
coraçõezinhos e fotografias, pedinchando aos pais para sair com as amigas de
braço dado num Sábado à noite para uma discoteca qualquer. As contas de
telefone (antes de 1998) e de telemóvel (desde então) nunca devem ter sido nada
modestas. Pelo menos, não a imagino de outra forma.
Talvez não sejam componentes básicos que nós valorizemos por
aí além, mas estão lá e fazem dela um bom exemplo de feminilidade. Se estes
requisitos não estivessem minimamente reunidos, estaríamos aqui a lamentar a
falta de algum deles e a dizer “ela bem que podia fazer mais o que as mulheres
costumam fazer, que já não me sinto bem ter ela a arrotar cerveja enquanto
insulta o árbitro quando vemos o jogo na televisão”. Há quem goste de
mulheres-rapazes. Eu por mim tolero, desde que haja outros ingredientes
adicionais. Mas ter uma tipa que tem o sentido de higiene de um gajo não é uma
perspectiva interessante para mim.
Depois, possui alguns extras: não é loura, nem é burra; tem
uma cultura geral bastante razoável e é possível conversar-se com ela sem ser
de trabalho ou de temas exclusivamente femininos, como o nome daquela cor que
não é bem azul nem bem verde. Nota-se que possui alguma sensibilidade para os
gostos masculinos – não que seja algo muito difícil de desvendar, mas nem todas
atingem. No fundo, revela alguma experiência relacional, o que tanto pode
encorajar os mais afoitos como assustar os mais imberbes. Em casa, porém, não
deve ser nada de especial, porque isso não é nada chique para a mulher moderna,
que está mais apostada em sobressair a vertente de fada do lar do seu cônjuge
(e cônjuge é das palavras mais feias que podem existir, mesmo para fazer sentir
mal o “companheiro” ou “parceiro” com todo o seu peso jurídico).
Ora bem, ora bem. Já se falou de requisitos básicos e de
extras, mas o que interessa mesmo é o chassis. E o motor. Que é como quem diz,
“então mas é gaja é boa ou não?”. A resposta é: não é boa. Mas também não é má.
É normal. Talvez um pouco mais encorpada que a média, mas francamente normal.
Sem ser especialmente bonita, não é feia. Tem mamas 1.8 de cilindrada num
cagueiro movido a gasóleo, o que é razoável, levemente potente, mas nada de
extraordinário. Com facilidade terá uma amiga que nos despertará primeiro as
atenções, mas também não deverá ser o patinho feio do grupo. Não sendo magra,
que “nunca foi” (segundo palavras muito imbuídas de fair-play da própria),
também não é especialmente gorda, embora pudesse ter menos um quilito ou outro
para efeitos de valorização pessoal. Ela é para os apreciadores de alguma
chicha, decididamente não para quem gosta de top-models desportivas, mas também
não será bem para os apreciadores de grandes churrascos que adoram camiões de
carne. Ela está muito em torno da mediana, apenas com um ou outro pormenor
distintivo. E depois, quando sorri, desenvolve duas marcas profundas na cara
que delimitam com vigor as bochechas, exibindo com destaque os dentes
posteriores. Essas marcas são tão fortes que, a uma curta distância, parece
mesmo que tem dois círculos estampados na cara.
E é pelo facto de ficar com dois círculos estampados na cara
que ela me lembra a Clarabela, especialmente as suas narinas – duas grandes
bolas ali abertas nas trombas. Também me lembra a Popota, mas a Popota é
demasiado gorda e muito cabeça-no-ar. A Clarabela também será demasiado magra,
mas ajusta-se melhor, até pela idiossincrasia que emana das histórias da Walt
Disney, especialmente na vertente “fofoca”.
Ao contrário de muitos reconhecimentos, desta feita primeiro
olhei para a Clarabela e só depois para esta tipa. Sabia que naquele sorriso
estava uma semelhança com qualquer coisa. Deixei a Popota de prevenção como
melhor aproximação. Só quando vi com atenção um determinado desenho da
Clarabela a rir-se de frente é que fiz “bingo!” e associei. Já lá vão uns anos
e agora já não há nada a fazer, esta tipa parece-me mesmo a Clarabela. Que é
uma vaca, para quem não saiba. Acho que, mesmo assim, mais vale ser comparada
com uma vaquinha inofensiva, embora claramente periférica no cômputo das
personagens Disney, do que com uma hipopótama selvagem.
E porque é que é a segunda gaja que eu comparo com
personagens de animação? Intrigante. Cá para mim, é porque os cartoonistas e os
argumentistas fizeram um excelente trabalho de caricatura, tanto físico como
psicológico. Melhor do que a realidade alguma vez nos poderá oferecer.
Sem comentários:
Enviar um comentário