21 maio 2012

Nélson Oliveira


Na minha terra havia, há e haverá sempre muita gente parecida com o Nélson Oliveira. Mais uma vez, não se tome a parecença de forma literal. É verdade que conheço alguma gente com as orelhas bem saídas tipo Dumbo e que talvez tenha marcado um golo decisivo no alcatrão lá da escola, mas não é a isso que me refiro. Estou a referir-me à capacidade, intrínseca ou partilhada, de se promoverem como grandes estrelas sem haver grande sustentação para tal.

O Nélson original talvez seja bom rapaz. Talvez venha a concretizar o potencial que se lhe augura. Talvez. Mas, para já, tem menos golos e menos minutos que o Postiga em termos de ligas nacionais. E se é possível estabelecer comparações com o Postiga, então é porque a coisa não é boa. Independentemente disto, é impossível obter uma crítica adversa em relação aos poucos minutos que ele esteve em campo – se ele se deteve com a bola quando tinha um colega em boa posição, leremos “é a vontade natural em mostrar serviço”; se ele falhou redondamente numa posição favorável, é porque “o ângulo era já muito apertado”. Por ângulo apertado, entenda-se um ângulo a tentar entrar num comboio que furou uma greve dos transportes e não um ângulo claramente inferior a 45º do poste mais próximo – mas o tema dos ângulos apertados ficará para outras núpcias.

Depois de um Verão em alta, onde um ou outro golo pelos juniores aguçou o instinto inato para a deificação por parte dos portugueses em particular e dos lampiões em geral, Nélson passou por uma fase de obscurantismo e, na melhor das hipóteses, medíocre. O culminar da grande progressão desta época traduziu-se em meia-dúzia de remates jeitosos e no relegar de Yannick Djaló para o extremo… da bancada. E, se há uma segunda lição a retirar das comparações, é a de que o gajo que pode ser simultaneamente comparado com Postiga e Djaló não pode ser necessariamente bestial. Pelo menos, por enquanto.

Admiravelmente, estes parcos atributos valeram-lhe capas de jornais, chamada à Selecção, spots publicitários, prémios de revelação e admito até que seja a cara do emblema dele na montra oficial do clube. Nunca fazer tão pouco rendeu tanto. E a carreira dele ainda mal começou.

Também eu conheci lá na terra alguns gajos assim. Tipos de quem se dizia, “ah e tal, o gajo é muita bom”, “lá vem ele para arrebentar com isto”, “este gajo tem o cu virado para a lua” e cenas do género. Sempre foi uma terra muito pródiga na construção de tigres de papel. Desses gajos eu nunca vi nada de especial: nem soft skills extraordinários, nem um físico assim tão portentoso, nem acções, nem nada. Mas tinham uma pose e uns soundbytes deliciosos. Tinham jactância e positivismo irracional a rodos. Auto-promoviam-se com estórias mirabolantes, relatos heróicos de coisa nenhuma. Tinham sempre alguém que corroborava os feitos, geralmente alguém que gostava de ficar com as sobras. E com isso, faziam amigos, arranjavam namoradas, eram convidados para tudo o que era fixe e movimentavam-se muito bem nestes círculos virtuosos que cresciam naturalmente. Nisso tinham mérito. Mas, para além disto e da sua desinibição imaginativa, também não tinham mais nada. O grande valor deles era precisamente o de fazerem das suas imensas fraquezas enormes forças, o de cimentarem uma imagem apenas com base na gabarolice e de conviverem muito bem com este desequilíbrio entre o real e o imaginário tornado real. No fundo, eles próprios convenceram-se que eram bons, as pessoas à volta reconheciam que eles eram bons sem questionar e todo o mundo vivia feliz.

Para mim, as coisas também foram assim, pragmáticas, durante algum tempo; convenci-me que aquela aura de grandiosidade, aquela publicidade franca e gratuita, era qualquer coisa de natural, dados os seus feitos: ou se tinha, como eles; ou não se tinha, como eu, que teria que me esforçar a sério para fazer qualquer coisa que fosse reconhecida e mesmo assim não teria garantias de sucesso, pois achava, com o negativismo que esses gajos nunca tiveram, que mesmo aquilo em que era sucedido não era aquilo que atraía o resto das pessoas, sempre mais afoitas a reconhecer outras coisas mais do gosto geral, como marcar golos, engatar gajas ou contar piadas. Mas depois vi o outro lado, a fraqueza da sua glória, a pequenez da sua cultura, a pobreza dos seus espíritos. Eram tudo menos seres perfeitos, tudo menos ídolos, acreditem. As mentiras revelavam-se uma atrás da outra. Não se podia contar com eles em situações de aperto, eram os primeiros a debandar ou a enjeitar responsabilidades, das quais fugiam com a mesma esperteza saloia com que impingiam as suas qualidades aos demais. Jamais se retractaram perante o exagero da sua figura. Ainda continuam pedantes, com a sua legião de fãs, mas aquilo já não me aflige, porque percebi o vácuo em que assentavam as fundações da sua personalidade. Eu sou assim, demasiado low-profile, e eles são assim, demasiado high-profile, estamos muito bem assim e há mercado para todos – embora aparentemente, só exista o deles. Mas a “maioria silenciosa” será sempre a maioria e o conteúdo, se houver justiça, prevalecerá sobre a forma.

O Nélson também estará bem. Pudera, é um suplente com um estatuto desmesurado. No caso dele, vejo muito mais influência externa do que pessoal e vejo algum valor… não o suficiente para tamanho hype, mas algum valor. O grande problema do Nélson, que não será bem um problema, é mesmo a necessidade de criar um mito para dar às massas para elas regurgitarem como a atracção da época, para mais estando no clube em que está. Ele aproveitará até concretizar a sua fama ou até as pessoas se fartarem dele e abraçarem outro ídolo pré-fabricado, que adorarão incondicional e irracionalmente. Já os tipos da minha terra estão mais numa corrida de fundo e não precisam de correr com tanto afã à procura do reconhecimento, sendo que alguns entretanto já caíram em desgraça junto de quem lhes adorou, partindo para novas paragens de modo a recomeçarem os seus joguinhos de manipulação de imagem com outra gente menos experimentada. O Nélson ainda pode ter uma saída airosa, coisa que estes gajos dificilmente poderão ter.

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