Na minha terra havia, há e haverá sempre muita gente
parecida com o Nélson Oliveira. Mais uma vez, não se tome a parecença de forma
literal. É verdade que conheço alguma gente com as orelhas bem saídas tipo
Dumbo e que talvez tenha marcado um golo decisivo no alcatrão lá da escola, mas
não é a isso que me refiro. Estou a referir-me à capacidade, intrínseca ou
partilhada, de se promoverem como grandes estrelas sem haver grande sustentação
para tal.
O Nélson original talvez seja bom rapaz. Talvez venha a
concretizar o potencial que se lhe augura. Talvez. Mas, para já, tem menos
golos e menos minutos que o Postiga em termos de ligas nacionais. E se é
possível estabelecer comparações com o Postiga, então é porque a coisa não é
boa. Independentemente disto, é impossível obter uma crítica adversa em relação
aos poucos minutos que ele esteve em campo – se ele se deteve com a bola quando
tinha um colega em boa posição, leremos “é a vontade natural em mostrar
serviço”; se ele falhou redondamente numa posição favorável, é porque “o ângulo
era já muito apertado”. Por ângulo apertado, entenda-se um ângulo a tentar entrar
num comboio que furou uma greve dos transportes e não um ângulo claramente
inferior a 45º do poste mais próximo – mas o tema dos ângulos apertados ficará
para outras núpcias.
Depois de um Verão em alta, onde um ou outro golo pelos
juniores aguçou o instinto inato para a deificação por parte dos portugueses em
particular e dos lampiões em geral, Nélson passou por uma fase de obscurantismo
e, na melhor das hipóteses, medíocre. O culminar da grande progressão desta
época traduziu-se em meia-dúzia de remates jeitosos e no relegar de Yannick
Djaló para o extremo… da bancada. E, se há uma segunda lição a retirar das
comparações, é a de que o gajo que pode ser simultaneamente comparado com
Postiga e Djaló não pode ser necessariamente bestial. Pelo menos, por enquanto.
Admiravelmente, estes parcos atributos valeram-lhe capas de
jornais, chamada à Selecção, spots publicitários, prémios de revelação e admito
até que seja a cara do emblema dele na montra oficial do clube. Nunca fazer tão
pouco rendeu tanto. E a carreira dele ainda mal começou.
Também eu conheci lá na terra alguns gajos assim. Tipos de
quem se dizia, “ah e tal, o gajo é muita bom”, “lá vem ele para arrebentar com
isto”, “este gajo tem o cu virado para a lua” e cenas do género. Sempre foi uma
terra muito pródiga na construção de tigres de papel. Desses gajos eu nunca vi nada
de especial: nem soft skills extraordinários, nem um físico assim tão portentoso, nem acções, nem nada. Mas tinham uma pose e
uns soundbytes deliciosos. Tinham jactância e positivismo irracional a rodos.
Auto-promoviam-se com estórias mirabolantes, relatos heróicos de coisa nenhuma.
Tinham sempre alguém que corroborava os feitos, geralmente alguém que gostava
de ficar com as sobras. E com isso, faziam amigos, arranjavam namoradas, eram
convidados para tudo o que era fixe e movimentavam-se muito bem nestes círculos
virtuosos que cresciam naturalmente. Nisso tinham mérito. Mas, para além disto
e da sua desinibição imaginativa, também não tinham mais nada. O grande valor
deles era precisamente o de fazerem das suas imensas fraquezas enormes forças,
o de cimentarem uma imagem apenas com base na gabarolice e de conviverem muito
bem com este desequilíbrio entre o real e o imaginário tornado real. No fundo,
eles próprios convenceram-se que eram bons, as pessoas à volta reconheciam que
eles eram bons sem questionar e todo o mundo vivia feliz.
Para mim, as coisas também foram assim, pragmáticas, durante
algum tempo; convenci-me que aquela aura de grandiosidade, aquela publicidade
franca e gratuita, era qualquer coisa de natural, dados os seus feitos: ou se
tinha, como eles; ou não se tinha, como eu, que teria que me esforçar a sério
para fazer qualquer coisa que fosse reconhecida e mesmo assim não teria
garantias de sucesso, pois achava, com o negativismo que esses gajos nunca
tiveram, que mesmo aquilo em que era sucedido não era aquilo que atraía o resto
das pessoas, sempre mais afoitas a reconhecer outras coisas mais do gosto
geral, como marcar golos, engatar gajas ou contar piadas. Mas depois vi o outro
lado, a fraqueza da sua glória, a pequenez da sua cultura, a pobreza dos seus
espíritos. Eram tudo menos seres perfeitos, tudo menos ídolos, acreditem. As
mentiras revelavam-se uma atrás da outra. Não se podia contar com eles em
situações de aperto, eram os primeiros a debandar ou a enjeitar responsabilidades,
das quais fugiam com a mesma esperteza saloia com que impingiam as suas
qualidades aos demais. Jamais se retractaram perante o exagero da sua figura. Ainda
continuam pedantes, com a sua legião de fãs, mas aquilo já não me aflige,
porque percebi o vácuo em que assentavam as fundações da sua personalidade. Eu
sou assim, demasiado low-profile, e eles são assim, demasiado high-profile, estamos
muito bem assim e há mercado para todos – embora aparentemente, só exista o
deles. Mas a “maioria silenciosa” será sempre a maioria e o conteúdo, se houver
justiça, prevalecerá sobre a forma.
O Nélson também estará bem. Pudera, é um suplente com um
estatuto desmesurado. No caso dele, vejo muito mais influência externa do que
pessoal e vejo algum valor… não o suficiente para tamanho hype, mas algum valor.
O grande problema do Nélson, que não será bem um problema, é mesmo a
necessidade de criar um mito para dar às massas para elas regurgitarem como a
atracção da época, para mais estando no clube em que está. Ele aproveitará até
concretizar a sua fama ou até as pessoas se fartarem dele e abraçarem outro
ídolo pré-fabricado, que adorarão incondicional e irracionalmente. Já os tipos
da minha terra estão mais numa corrida de fundo e não precisam de correr com tanto
afã à procura do reconhecimento, sendo que alguns entretanto já caíram em desgraça
junto de quem lhes adorou, partindo para novas paragens de modo a recomeçarem
os seus joguinhos de manipulação de imagem com outra gente menos experimentada.
O Nélson ainda pode ter uma saída airosa, coisa que estes gajos dificilmente poderão ter.
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