“A terra a quem a trabalha!”
“O povo unido jamais será vencido!”
“Liberdade para Otelo!”
“Vota APU!”
“No fuck, no drive.”
Notam algum padrão? É verdade, são todos slogans de
contestação. A maioria dos quais do período 1975-1985. Estiveram todos pintados
nas paredes e muros da minha terra. É uma terra propensa a graffittis da mais
variada ordem. Mas aquele último foi o que realmente despertou polémica.
Um grito existencialista? Niilismo à solta? O apelo
revoltado de uma minoria? O distorcer de uma mensagem comercial com fins
subversivos? Propaganda ambientalista? Desespero celibatário? Ninguém sabe ao
certo. Provavelmente, nem o autor. Que teria, certamente, um pouco de génio e
de louco e ficou anónimo para todo o sempre.
O mistério adensou-se em torno deste lema, ganhando aura de
mito que sobreviveu à voragem do tempo. Até hoje continua a atormentar a
“intelligentzia” local. Sábios, peritos de linguística, estudiosos da semântica
e simples curiosos debruçaram-se sobre o significado concreto em acesos debates
filosóficos, mas não foi atingida nenhuma conclusão concreta. Ninguém quis
assumir a interpretação literal “sem foda, sem condução”. Era óbvio que havia
algo mais escondido, apenas não havia consenso sobre qual a mensagem subliminar
subjacente. Ou mensagens. E então optou-se por deixar a frase quieta, tentar
ignorá-la, como se de um monstro adormecido se tratasse. Nenhum livro sobre a
história da terra menciona esta frase, devido ao receio de exacerbar o demónio
da dúvida que existe em cada local.
Em tempos idos, verdadeiras romarias de jovens, cavalheiros
casados, senhoras distintas, velhos jarretas, crianças inocentes e escroques da
sociedade se dirigiam àquela parede pejada de misticismo para apreciar a
caligrafia escorreita daquele graffitti e a sua misteriosa força. Era uma
espécie de azinheira de Fátima. Acenderam-se velinhas, examinaram-se pedaços de
tinta à lupa, tiraram-se fotografias. Houve quem chegasse ao limiar da loucura,
puxando os cabelos e anunciando o aproximar do Juízo Final. “VAMOS TODOS MORRER!!!!”,
clamava o sr. Robalo, que claramente mordera o isco provocatório desejado pelo
autor da frase. “Isto é só mau inglês e a tentativa de surrealizar com o
célebre «No pain, no gain»”, tranquilizavam os mais cépticos. Mas nem eles próprios acreditavam naquilo que diziam, na vã tentativa de se convencerem a si
mesmos de que não havia algo mais críptico e superior no cerne da questão.
Este jargão destronou sem esforço outros dizeres que até aí
tinham gerado alguma celeuma, como “Vete [sic] ao espelho”, “Culha, o vosso
pai” ou “Vitinha e…”, este último o graffitti de contornos mais
agathachristianos alguma vez presenciado na terra, com a suas pequeninas
reticências a ensombrarem o vigor com que a palavra “Vitinha” tinha sido
pintada em todo o comprimento do muro. Quem era o Vitinha? “E” o quê, Vitinha?
Porquê esta dúvida infernal? Mas a partir de “no fuck, no drive” nada mais
seria igual. Os partidos políticos aburguesaram-se e deixaram de produzir
murais com a qualidade de outrora, preferindo os mais assépticos cartazes com
gente sorridente. Os produtores de graffittis simplesmente já não sabiam ler
nem escrever e apenas colocavam rabiscos com nítida influência árabe,
imperceptíveis e declaradamente anti-artísticos e apolíticos. O público geral
tinha finalmente ganho consciência das intricadas perturbações surdas que
assolavam as mentes da localidade. “No fuck, no drive” foi o princípio do fim,
o último dos slogans dos bons velhos tempos, o derradeiro “statement” de uma
estética meio punk, meio vanguardista, decididamente “anti-establishment”.
Nunca se tinha visto e nunca mais se voltou a ver.
“No fuck.”
“No drive.”
Arte urbana, política de rua, cérebros activos a explorarem
os limites da criatividade. Tudo de borla, à frente dos nossos olhos, naquele
outrora singelo muro. Um ponto alto da História da minha terra.
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