A sério que há qualquer coisa sobre a Maria. Não que ela
seja um trambolho. Não é. Mas o que faz com que os homens comecem a salivar
quando a vêem? Ela teoriza com isso, diz que é por ser simpática e por ter
confiança em si mesma. Tudo bem, é certo que isso ajuda. Mas não explica tudo.
Consigo nomear uma mão cheia de casos semelhantes sem o mesmo sucesso. Consigo
identificar uma pazada de gajas mais apelativas fisicamente que ela e, é isso
mesmo, essa pazada de gajas não desperta o mesmo burburinho junto da turba
masculina. Deve ser o conjunto, a soma das partes inferior ao todo, que faz a
diferença não totalmente perceptível por mim. E ela, embora talvez não tenha
consciência da relativa facilidade com que cativa as atenções másculas em
comparação com outras gajas, está ciente que é uma musa para muitos. Depois é
só escolher: este é o grande dilema dela, a tomada de opções, aquilo que lhe dá
dores de cabeça. É a crise da abundância.
Maria é daquelas que está terrivelmente apaixonada por umas
semanas até mudar a agulha para outro candidato que entretanto conheceu
inesperadamente em sítios tão díspares como um restaurante, uma discoteca, a
praia ou um transporte público. As coisas parecem bastante fáceis. Amor vai e
vem como uma locomotiva que destranca, dá a volta e engata agora no sentido
oposto para iniciar uma nova viagem. Não, as coisas não parecem fáceis; elas
são mesmo fáceis. Os homens imediatamente passam a contactá-la via Facebook,
e-mail, SMS, instant messaging e coisas de contacto virtual que eu nem sei que
existiam e logo se arranjam saídas, almoços, jantares e cinemas com uma
facilidade impressionante. Ela diz-me que são sinais dos tempos. As redes
sociais estão aí em força e apressam a coisa, mesmo que o contacto físico tenha
sido ínfimo. Isto custa ao indivíduo tradicional que gostava de espreitar a
amada a ir à janela no cimo de uma árvore, fá-lo sentir a preto-e-branco, de
volta ao tempo pré-industrial. Até o Hi5, vejam bem!, o Hi5!, pode servir para
estas coisas e ela assegura-me que já houve casamentos que começaram no Hi5. Vale
tudo, má escrita, fotos escandalosamente pretensiosas, conversas ridiculamente
formatadas, gostos confrangedoramente deslocados só para manter o chat vivo, nada
se nega à partida. Maria não costuma dizer que não. E se disser, é porque o
gajo que a abordou é mesmo mau. Meeeeeeeeeeeeeeeeeesmo mau, talvez não tenha os
dentes posteriores e nem sequer tenha concluído o 9º ano. Esta abertura também
propicia a aventura, certo, mas ela continua num pedestal de adoração que
raramente assisti.
Eu sei disto tudo porque me tornei numa espécie de
confidente dela. Devo ter sido o único que não me babei quando a vi, nem lhe
fiz algum convite para qualquer coisa ao fim de cinco minutos, nem sequer
partilho fotografias com grupos sorridentes em sítios com muito hype nas redes
sociais. Por variados motivos, como ser um atadinho no contacto com gajas e,
principalmente, creio eu, por não estar mesmo interessado nela. E então acabei
por tornar no “amigo”. Ou, como eu penso várias vezes, no “desgraçado”. É
péssimo. Não pedi por este estatuto e não o quero. Parece que fui entalado num
enredo de comédia romântica com a Jennifer Aniston e estou ali num plano
secundário, algures entre o gay e o geek, naquela zona cinzenta dos “gajos que
não papam nada e são suficientemente totós e confiáveis para ouvir os queixumes
das gajas”. Sou uma espécie de “comic relief” dela. Ter a sensação que estou a
desempenhar esse papel num filme de gaja já é muito mau por si só. Viver essa
sensação sem haver câmaras à volta nem um retorno monetário à minha espera é
visivelmente perturbante. Fui ficando amarrado a esta situação e agora é
difícil dar-lhe a volta, vai-não-vai lá vem ela meter conversa. E há uma
pressão social enorme para que eu a ouça, desde o mel do seu palavreado e
maneiras até aos gajos que lá no fundo invejam-me por eu ter captado a atenção
dela. Para complicar as coisas, o zénite desta proximidade apanhou-a no seu
auge multi-relacional e a mim no meu nadir sentimental. E agora ela sente-se no
direito e no dever de fornecer-me indicações tendo em vista uma vida
sócio-sentimental esplendorosa e de me enviar links para músicas upbeat de
gajas. O que tem vindo a delapidar ainda mais o meu depauperado coração e a
fazer-me sentir mais nauseado com o meu contexto actual.
Estas náuseas começam a alcançar níveis físicos; não é
apenas estar a dizer de boca cheia “isto mete-me nojo!”; não, é mesmo sentir o
estômago a revolver-se, um vácuo que começa a centrifugar cá dentro e uma
nítida sensação de mau-estar a apoderar-se. Penso em afastar-me gradualmente
dela tanto quanto possível, vou ignorá-la até ela perceber que é para ir pastar
longe. Não bastava eu estar ainda à procura dos cacos da minha vida partida,
como agora ainda tenho de a ouvir a vangloriar-se pelo excelente fim-de-semana
com um par de horas dormidas em constante festa com amigas e amigos que acabam
todos na casa uns dos outros e a dormir sabe-se lá com quem, ou a nova
aquisição do Facebook, ou sabe-se lá que mais, quando sinto que o meu ponto
alto destes dias é casualmente encostar-me a uma gaja boa num transporte
público que não se queixa com o meu tocar. Isto é muito triste, mas, enfim, foi
aquilo em que me tornei. E chega. Chega de conversas que não pedi e que não me
fazem sentir melhor, bem pelo contrário: é que se a Maria consegue tanta
actividade sentimental, porque é que eu não consigo?
Bom, ela é gaja e abusa de vestidos e saias e sorrisos
largos. É um grande factor diferenciador. Mas mesmo assim, porque é que num
espaço de 3 minutos ela recebeu 3 convites para ir almoçar de grupos de gajos
diferentes? Há mesmo qualquer coisa sobre a Maria. Que eu não acho que seja
nada de mais, assim como o filme em si, que era uma comédia como as outras e
que recebeu demasiada atenção face à que deveria ter tido. Mas quem sou eu para
avaliar, afinal? Estou perante o que será uma comédia de qualidade duvidosa e
enfiado num cenário de tragédia. Não consigo apreciar as coisas com critério.
Não há espaço para uma pequena gargalhada sequer. Maria paira sobre mim para me
lembrar que há quem tenha o toque, o olhar, o estilo, alguma coisa intangível. E
há quem não tenha. Há que saber viver com isso.
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