A simples loucura não é estimada. Para ser benquista, a
loucura tem de ser a puta.
Um paradoxo louco.
Ninguém quer experimentar a loucura se ela não for a puta. A
puta da loucura. Se for, podemos esperar o melhor. Ou o pior. Espera-se
qualquer coisa marcante, todavia.
Normalmente, o estado da loucura enquanto puta é temporário.
Uma festa, um evento, um certame, nada que perdure assim tanto no tempo. Devia lá
se ter estado para saber o que foi, o que sentiram os envolvidos. Aquelas
coisas das quais guardamos imagens mentais coloridas e que esperamos contar
mais tarde numa roda de amigos, para impressionar. A puta da loucura é
cintilante, impossível ficar indiferente à sua rameirice insidiosa. Com os seus
saltos altos que injectam ilusão nas nossas veias sedentas de paixão e um
corpete tão apertado quanto provocador nos seus contornos voluptuosos, o
perfume do delírio nos seus cabelos soltos, é assim a loucura quando puta passa
por nós. Um terramoto de emoções. Uma bebedeira memorável, um sexo fulgurante,
um ambiente transgressor. Ela entrega-nos a liberdade absoluta numa bandeja
dourada de tentação. A sorte da nossa vida ali à nossa frente, por um momento,
durante um momento. Um excesso único que no dia seguinte se vai embora, mas
deixa a secura da ressaca na boca e um grão de desejo no nosso coração. A
loucura, se puta, é assim.
Porém, se a loucura é filha recatada e fria, se se tarda
dentro de nós, então o caso muda de figura. Uma loucura só é uma loucura
amarga.
Com o seu xaile preto de abandono e perdida num labirinto hospitalar,
a pernas dobradas num arco lúgubre quando cambaleia pelos recantos, a loucura
que não é puta é demasiado séria para ser querida.
São pobres desgraçados, os loucos sérios, não acometidos
pela putaria duma loucura depravada. Esta loucura é a gémea má do Baco. Atormenta
sem piedade, ofusca a clarividência, apaga as almas. E se calhar alguns só
queriam a puta. A puta da loucura. Mas alguma coisa correu mal pelo caminho. A
puta foi puta demais. Ou nunca chegou a sê-lo. Não foi aquilo que queriam. E
agora estão presos dentro de um corpo que apodrece, com o pensamento a
baralhar-se de dia para dia. Sítios em que já não se está, noções periclitantes
de realidade. Espelhos que já não reflectem. Gente que já foi. Que já não é nem
está realmente. É somente uma projecção dum passado comprometido. Um
pseudo-holograma em acelerada decadência. Comprimidos e tratamentos de choque,
o espartilho branco sobre um monte de ossos que já não tem controlo sobre si e uma
esperança fugidia numa partida sem dor. Ela não se vai embora e não é divertida.
É uma bruxa pérfida invencível no seu caldeirão. Não, salvem-se desta loucura
malvada, a que é certinha como um relógio suíço.
Nunca procurem outra loucura que não a puta. É inofensiva. A
outra é um vício incomportável. Depois dá para fazer coisas esquisitas. Como sentir
uma inadaptação terrível em lidar com o mundo exterior, as pessoas e as
situações no geral. De perder o sentido e nem sentir que se o perdeu. E
até de começar a escrever. Não queiram isso.