Se quisermos simplificar, o Bryan Adams tem duas fases distintas de carreira: quando ainda era só levemente bexigoso e quando a sua cara se tornou numa espécie de campo lunar. Não sei se é dos genes do Canadá, da sua costumeira falta de sol, mas aquela pele mete dó. Não é um Balsemão, não dá para a escamagem, mas com o tempo o Bryan ainda se torna a nova mascote da 5-a-Sec. Pode ter sido da vida do rock n’ roll, mas francamente, depois do Robin Hood o Bryan afundou-se na mediocridade das baladonas, dos convidados e dos unpluggeds que, enfim, garantem uma boa reforma, devemos reconhecer, mas dificilmente representaram perigo à sua integridade física.
O Bryan ainda teria algum rasgo de criatividade até meados dos
anos 80, mas depois os rasgos ficaram-lhe todos na cara e foram literais. Uma
guitarrada orelhuda aqui e acolá numa época de optimismo e de pouca exigência asseguraram-lhe
um lugar permanente das playlists das discotecas em modo revivalista. O próprio
Nuno Markl, perito destas coisas, não dispensa uma malha ou outra do Bryan e
prega a sua palavra aos seus acólitos, mantendo o espírito do Bryan, do bom
velho Bryan que parecia ser o nosso primo mais velho e que usava ténis fixes
por altura do “Reckless”, vivo com a saúde possível.
O Bryan, imaginado como um primo dos anos 80, pode ser um
conceito que envelhece mal, como a pele do próprio Bryan. Dantes julgávamos que
seria um tipo fixe, até tinha passado parte da juventude em Portugal, tínhamos
um elo de ligação, mas agora tenho para mim que o Bryan em pessoa não seria um
gajo interessante. Não tem a ver apenas com a qualidade musical, mas também com
uma certa atitude que por vezes não cai bem, que é envelhecer e perder o brilho.
Com piadas otárias sobre o Ontário, conversas sobre hóquei no gelo, ainda usando
blusões de ganga e transpirando muito. Mas com uma voz rouca que lhe dá
credibilidade. As pessoas ainda só o aturam porque ele diz coisas parvas com
muito estilo. E por isso ainda lhe editam best-ofs e marcam-lhe concertos em
casinos só para baronesas enfastiadas assistirem.
Isto tudo porque me lembrei que tive uma colega minha que,
para aí com 12 ou 13 anos, confidenciou, com total naturalidade, que foi
convidada pelo Bryan Adams para o seu camarim e passaram uma tórrida noite de
amor. Naquela altura admitia-se a pedofilia como uma daquelas coisas que podiam
acontecer. Acho que isso fazia sentido na cabeça dela. Era a expressão dum
sonho com algumas camadas de complexidade, em que ela pensou nos passeios
idílicos que deram, nas bonecas que ele lhe presenteou, no algodão-doce que
comeram e nos beijinhos que trocaram. Embora ela tenha dito que “fizeram tudo”.
E tudo antes do concerto, que ele obviamente lhe dedicou quando subiu ao palco,
apontando para ela num foco saído do palco, com tudo em histeria. Estávamos,
portanto, na fase em que o Bryan ainda seria moderadamente bexigoso.
Naquela época era fofinho contar isto e hoje seria um
escândalo. É essencialmente um pedaço de fantasia adolescente que soa
embaraçoso agora, como outros da mesma igualha. O Bryan para mim não é
pedófilo. É bexigoso, não faz nada de jeito há anos, mas não desposa
criancinhas. Só faz mal aos ouvidos e bem a DJs preguiçosos. É aquele primo que
já não é fixe, porque nós também já conseguimos ter coisas, mas também já não
nos irrita assim tanto com baladas, porque já não há muito espaço para ele. Já fez tanta coisa confrangedora que no saldo
final da sua carreira não sabemos bem se devemos valorizar a sua energia
inicial ou carregar no lado aborrecido que se seguiu. Enquanto ponderamos, o
Bryan vai escavando mais uns sulcos na sua cara como só ele sabe.