Esta é a minha coroa de glória no
que à captação de semelhanças concerne, ou não fosse esta uma figura da
realeza. E porquê, no meio de tantas geniais parecenças que costumo detectar?
Porque, qual prospector de talentos que descobre um precoce Ronaldo a jogar no
descampado da esquina, este foi oficialmente (note-se o sublinhado) reconhecido
por uma esdrúxula sociedade de avaliação de sósias com ramificações obscuras em
Portugal como “o sósia mais perfeito do Príncipe William”.
É óbvio, porém, que actualmente
ninguém descobre Ronaldos no descampado da esquina. Para começar, já ninguém
joga em descampados. Houve um tempo em que sim, jogava-se em descampados,
baldios com belas poias animais salpicando o chão irregular, pedreiras, arrecadações,
patamares, garagens e na própria estrada, nesses ilustres relvados de
betuminoso áspero, com a roupa de sempre, utilizando pedras, árvores, mochilas
ou outra merda qualquer a formar balizas, mas isso é tão século XX que até dói.
Hoje, os putos que ainda vão jogando à bola querem primeiro as chuteiras
coloridas, o equipamento de marca, um corte de cabelo o mais aparvalhado
possível e uma tatuagem vistosa daquelas que saem com álcool e que dantes eram
oferecidas no pacotes de batatas-fritas. O objectivo é tirarem selfies que
colocam no Facebook ou Instagram, para com isso receberem comentários da Miga
Tuxa cheios de coraçõezinhos, que não de Satã, e do Tigas K a dizer “boa mano
ixo ta forte mm” e ainda muitos emojis avulsos e likes do ppl todo, tantos
likes que até o Ronaldo original teria inveja. Isto é, o estilo é que é
primordial, a bola é apenas um pretexto banal. Para além disso, os putos e os
próprios paizinhos preferem a segurança modernaça dum belo jogo de consola e, a
haver esforço físico, terá de ser desenvolvido numa dispendiosa, mas certificada,
escola duma coisa qualquer com equipamento topo de gama, sem material tóxico ou
abrasivo nem esquinas capazes de vazar as vistas dos frágeis meninos enquanto o
Diabo esfrega o olho. Pois é, se jogar em descampados é “démodé”, então ainda mais
inapropriado é que esse descampado esteja situado numa esquina. “Esquina”
remete muito para o imaginário de actividades ilícitas. E nem as putas que se
querem putas a sério se encontram agora nas esquinas – a não ser nas esquinas
das vielas mais recônditas dum Badoo qualquer desta Internet maravilhosa.
Este sósia não fez luz à minha
frente num descampado, surgiu-me num transporte público, que costuma ser um
local bem mais apinhado que um descampado e que, portanto, prestigia o meu
poder de análise. E sempre é uma ocorrência mais plausível do que aparecer em
cima duma azinheira, se bem que isso só está reservado às divindades. A
semelhança era tão óbvia que ninguém sabe ao certo se a foto que coloquei ali
acima é dele ou do William himself. Em abono da verdade, desconfio que o
William não ande pelos nossos transportes públicos, mesmo que haja por aí
algumas acções de marketing onde os VIPs se mascaram e se misturam na multidão,
para estupefacção geral. Numa de brincar aos pobrezinhos e para desentorpecer
as pernas, combatendo assim o enorme tédio do seu fausto. Convém é depois tomar
banho com aquelas soluções antissépticas e pedir à massagista ucraniana para
esfregar bem esfregado. O próprio Ronaldo já andou a dar toques na bola,
disfarçado numa praça em Madrid. O Jorge Palma também andava por aí aos caídos
no metro das grandes cidades, sem disfarce algum, parecia um bêbado como os
outros e ninguém lhe ligava. Hoje o pessoal já lhe liga mais, seja pela
resistência que demonstra ou por mera pena. Mas já não anda de metro. Diz que
faz mal à saúde, aquele ar dos túneis carregadinho de mofo e de bactérias que
só se encontram na escuridão, um horror, faz um mal danado às vias respiratórias.
O William, por seu turno, nem na terra dele anda de metro. Isso é demasiado
working class e eles lá no país deles sabem bem delimitar as classes e qual o
espaço destinado a cada um, apenas pelo sotaque e a pose. Também há por aqui
uns tipos muito práfrentex que jamais ousariam entrar numa carruagem do nosso
metro e chocar de frente com gente vinda da Reboleira, Chelas ou Ameixoeira, livrai-lhes
Senhor dessa aflição sociológica, mas que em Londres são capazes de andar em
loop na Circle Line e dizer que é uma experiência inebriante, um símbolo de
urbanidade. São geralmente gente demasiado bronzeada, que estaciona em 2ª fila
e que come atum em lata durante semanas a fio para compensar a vez que foram
jantar ao Gambrinus. E depois metem no perfil do LinkedIn que são “General
Managers” com uma Pós-Graduação em Leadership and Interpersonal Skills, partilham
posts com mensagens redondinhas e extremamente irritantes retiradas de tipos supostamente
CEOs de grandes empresas que dão cursos de “como ser melhor?”, “como ser mais
eficiente?” e outras merdas próprias de quem gosta de se sentir importante
debitando frivolidades, frequentam vários workshops e palestras onde há sempre
espaço para uma conversa animada junto ao croquete e ao sumo de laranja
natural, mas que nem um vlookup conseguem fazer no Excel sem a ajuda da
estagiária com ar colegial que anda sempre de saias de Março a Outubro. A
estagiária pensa que está a ganhar confiança dele, sem suspeitar que ele não
manda nada naquela bosta de empresa e que, de qualquer forma, jamais irá mexer
um dedo por alguma coisa que não seja o seu bem particular, sendo o seu intento
embebedá-la numa 6ªfeira à tarde após o trabalho para comê-la no aperto do seu
Porsche que o pai lhe deu, a ela e às amigas todas boas que ela tem, se
possível em simultâneo, e que ela vai para a rua mal acabe o estágio. Mas
deixá-los acreditar na beleza desta vida.
Para mim, foi sempre claro que
ele era o Príncipe William chapado e até me pareceu irónico tê-lo encontrado no
metro, que é um túnel subterrâneo, uma espécie de “reenactment” do local onde a
sua mãe fenecera. “Sua”, do William verdadeiro, claro. Guardei esta evidência
comigo até ao dia em que vejo na TV, com incontida perplexidade, que tinha sido
aquele o tipo escolhido como o representante português num concurso
internacional de sósias. Por muito absurdo que possa parecer, é mesmo verdade, o
que me levou a concluir que a realidade supera muitas vezes a ficção. Não me
recordo se era um concurso apenas aberto aos sósias reais ou aos sósias em geral,
mas isso não interessa muito. Sem margem para dúvidas: era ele. Um português very middle-class,
cópia da soon-to-be majesty. Convenhamos que não será assim tão
fantástico: o William podia muito bem passar por um daqueles bifes que fritam
sob o sol de Albufeira até se parecerem com um camarão embriagado. Não há nele
nenhum indício físico que o distinga dum hooligan qualquer a cantar de braços
esticados em frente a um pub. Nem nenhuma realeza se distingue fisicamente dum
comum mortal, para sermos justos. A Branca de Neve, que era muito mais bonita
que tudo ao seu redor, não conta. Apesar de tudo, senti-me bastante validado na
minha perspicácia e pensei “que raio de sociedade é esta que avalia sósias?”, e
não me refiro à “sociedade” no geral nem a nenhuma conspiração cósmica, mas
àquela misteriosa organização que o indicou como representante português. Eu
gostava de pertencer a tão nobre instituição. Julgo que poderia ser uma
mais-valia. E que poderia receber algum respeito dos meus pares, o que é óptimo
para o ego. Porém, como encontrá-la? Quem é esta gente? E se forem uma
derivação da maçonaria? Maçonaria: gente de gabarito social incontestável, muito
ensimesmada e com grandes planos no papel para mudar a sociedade, a sociedade
em geral e não esta organização em particular. Tenho asco para com esses tipos.
Os pedreiros são credores do meu respeito profissional, agora quando se arrogam
em pedreiros-livres, vestem aventais, reúnem-se em lojas e andam lá com
compassos e rituais de iniciação e nunca saem do armário onde gostam de se
confinar, então já os reprovo. Repudio seitas de toda a espécie e quanto mais
arrogantes, maior o meu desdém. Que se fodam os maçons. Andam a foder isto tudo
há anos e anos só para manterem intocável o seu estatuto e o dos amigos, mas há-de
chegar a vez deles serem encavados sem misericórdia, espero que com um massivo
lastro de consanguinidade ou qualquer outra coisa que os faça parecer
super-mongolóides. Perpetuam o amiguismo aparentemente secreto, o compadrio
de grandes proporções e definem-se a si mesmos como seres superiores aos demais,
reservando o direito de admissão. São perigosos e influentes, uma espécie de
lobby gay mais antigo e ainda mais apaneleirado nos seus tiques. Por isso não,
se esta organização for assim, dispenso e prefiro ficar aqui com um bloguezito
que ninguém lê.
Não deu para perceber muito sobre o sósia do Príncipe William. Parecia gente “normal”. Não se esqueçam das aspas
ali atrás. Não tem uma mulher de apelido Middleton, ela nem sequer é tão bonita
quanto imaginamos que uma princesa seja, mas pelo menos ela não deve ser feita
de porcelana nem tem paparazzi a devassar-lhe a vida. E se calhar passa muito a
ferro, o que é um factor muito positivo numa mulher. Presumo que preserve o seu
filho das más influências, inscrevendo-o numa escola de desporto para aproveitar
os seus tempos cada vez menos livres, que ande de metro como afirmação dum
paradigma de sustentabilidade ambiental, mas também porque é mais barato, dado
que não tem estacionamento livre ao lado da empresa; que seja um quadro médio
ou superior duma empresa de média ou grande dimensão, onde é tipo que fica lá
pelo meio dos organigramas e sabe dalgumas coisitas giras, nada de especial, e
actualiza o seu perfil nas redes sociais. Até no LinkedIn, onde escolheu para
ilustrar o seu perfil uma foto sorridente, de fato de gravata, mas não num
plano muito aproximado para não dar uma impressão muito imediata do seu rosto,
que isto de ser sósia duma majestade também chateia e pode levar a que quem
procura por um determinado perfil seja iludido pela sua aparência inacessível,
com isso diminuindo a possibilidade de, quem sabe?, ser convidado para ser o
responsável máximo pelo desenho duma app para Apple (ou Eipple, como dizem os
plebeus) e Android de couratos e bifanas gourmet duma cadeia familiar em
ascensão, onde se acumulam pontos e há espaço para deixar comentários e
sugestões de melhoria e vêem-se porquinhos a dançar todos contentes, entre
outras porcarias que ninguém liga e que acabam por drenar a memória do
smartphone. Seria uma oportunidade única, mas nunca ninguém iria convidar um
Príncipe que só a custo aprendeu a estrelar um ovo para esta fabulosa função. A
sua opção faz sentido. Os sósias também têm direito à sua vida própria e a
seguir os seus sonhos.