Ela vem para Albufeira em Agosto. Mergulhar naquele oceano de
bifes que transpiram álcool pelos poros e cuja pele grita por “cancro!” em cada
esquina onde contêm o vómito. Ela vai a esses sítios onde os bifes se congregam num êxtase pós-colonialista
banhado a sol e bebida, esbanjando os euros adquiridos com a sua vetusta libra,
estrelina como as unhas dela, decoradas, trabalhadas, pontiagudas, um abuso de
queratina artificial e de verniz chinês barato, um azeite rançoso que emana um
aroma acre e que certamente infectará a carne onde ela as cravar. E que loura
que ela é, sardenta, rechonchuda, deslavada, contém os genes da Baby Spice Girl e poderia figurar num clip dos Blur. Como
uma figurante de tranças a chupar um lollipop gigante ao lado do sisudo Graham
sobre um tapete que as bandas usam nos seus ensaios e num exíguo quarto perto
de St. Pancras. Não é pâncreas, como eu supunha, mas seria muito mais inusitado.
Os quartos dos bifes são todos forrados com papel de parede escuro que combina
muito bem com a melancolia da sua gastronomia, toda virada para as doenças do
foro gástrico. Há quem aposte na variedade, eles mantêm a fórmula dos fritos. Fazem disso tradição. Em equipa que ganha não se mexe. Já quanto a destinos de férias, existem
pequenas mudanças. O que ela quer é sair do melting pot de culturas que é Londres para um sumidouro de almas sem reservas morais e com quartos à beira-mar plantados. Pode ser Grécia ou Espanha também. Mas Albufeira é mesmo aquele
“what the fuck”, o delírio de se poder atrever a tudo que tudo será permitido
neste pedaço perdido de terra tão inapelavelmente submisso. E ainda por cima
com sol do bom. Dar umas voltas de burro lá para os lados de Paderne e depois
acabar a foder sob uma alfarrobeira ou a rebentar um bar na Oura, perante a resignação geral da população. É à escolha.
Depende da vontade do grupo, onde há sempre alguém que perde um tamanco na
calçada ou que parte a cabeça num lancil com a bebedeira. Tem aquele sotaque de
gaja que ouve punk. Aquele britânico mais irritante, qual Morrissey se tivesse
crescido no seio da claque do Newcastle. Ela não diz “well”, resmunga um “uéu”;
não se consegue perceber muito bem a disposição dela quando atira um “au á iue?”
para começar a conversa. Ela está de copo na mão, ela adormece de copo na mão. Parece que tem sempre qualquer coisa na bochecha mas nunca arrota. É um feito de que se deve orgulhar. Mais do que despachar três
putos de Aveiro que estavam a passar férias em Montechoro. Ela não se orgulha,
mas conta casualmente estes episódios da sua colorida vida entre muitas outras
coisas que não se percebe. O álcool causa os seus efeitos, por muito disfarçados
que sejam, acho que ela começa a andar à roda no discurso. E depois anda à roda
na rua com cânticos hooligans e acaba a vomitar-se no Uber que ela e as amigas
chamaram. Já iam na Via do Infante a caminho de Tavira. Porque havia um gajo chamado Jarred que estava lá, era de Liverpool e
conheceram-se num pub perto de Kings Cross, às 17:15 em ponto depois de saírem
dos escritórios. Reencontraram-se numa sardinhada que fizeram na praia, era um
tipo giro, não tinha os dentes assim tão tortos e falava muito bem sobre o
tempo. E agora estavam na berma da 125 junto ao cadáver dum gato trucidado e não
sabem como. Já foi pior. Uma vez perdeu as cuecas numa falésia e teve de andar
por hortas e veredas até ao resort às tantas da manhã com as pernocas todas ao léu. Não se recorda ao certo
de ter sido molestada, mas acordou toda dorida nas costas e com uma pastilha colada
nos seus lábios inferiores. Uma pastilha gorda, devia ser tipo Super Gorila ou
várias Tridents juntas. Meteu-lhe muito nojo. Mas nem por isso deixa de
regressar a Albufeira, onde as pessoas parecem todas mais parvas do que ela é. Ela
é daquelas que utiliza o umbigo como “O” numa palavra a tatuar na barriga e
mesmo assim sente-se inteligente. É reconfortante saber que existe um sítio
assim, onde espairecer depois duma vida encafuada num metro a cinco quilómetros
de profundidade e a trabalhar num escritório onde toda a gente passa o tempo a
reunir e a afiar as unhas. Como ela conseguiu o trabalho, não sei, ela nem
parece saber fazer um secure printing, mas ali há trabalho para todos. Se és
branco, vais sentar o rabo num escritório. Se fores paquistanês, tens um táxi ou
um kebab à tua espera. Land of
opportunities, land of the free. Isso até é mais a América. Mas a génese
está aqui, o espírito é o mesmo. Quando é para a desbunda, é para a desbunda. Sair daqueles bairros de casas alinhadinhas e escuras de tijolo para os holofotes tépidos do Instagram, com a selfie ao pôr-do-sol, uma caipirinha e escaldões nas
costas. A cabeça toda grelhada e a pele escamada como um peixe. Depois um pub
com música ao vivo, onde passam jogos de rugby, as mesas têm bases para copos com perguntas para jogar Trivial e ainda estão afixados posters
da Maddie. Um dia virá passar a reforma nas Canárias e cumprir o sonho de
viver num Verão eterno. Por questões fiscais, claro. Albufeira ficará para
sempre no seu coração.