Não sei como isto começou. Nunca
me apercebera que despertava atenções subliminarmente poderosas no mulherio.
Quero acreditar que foi tudo uma combinação de genes de qualidade superior e
cuidado com a estética, que pressupõe manter uma pose e um discurso articulados
e coerentes entre si. Mas a verdade é que não faço ideia e mil espelhos não me
afinam a opinião. Nunca fui propenso a auto-avaliações razoáveis. Não sei se
tenho aspecto de bad boy, nem de criancinha, nem de nerd, nem de maluco, nem de
yuppie, nem de tipo do bairro, nem de gajo que não é baixo ou de gajo não é tão
alto assim, se possuo uma elegância notável ou se revelo uma banhita simpática
conquanto flácida, se me visto como a vanguarda ou se mantenho um estilo acidentalmente
retro. O que interessa é que elas caem-me aos pés.
Para ser rigoroso, eu não sei
como tudo começou, mas sei quando tudo começou. Foi ali, no autocarro, numa
segunda-feira pela manhã. Estava empacotado, como é costume. Aos homens jovens
quase que lhes são vedados os lugares sentados, porque a recriminação da
senhora coxa, do homem com bengala, da mãe atarefada ou até de outros jovens
com aparentes debilidades mentais é directa e muito reivindicativa. Sim, já vi
atrasados mentais a terem ataques de pânico em plena hora de ponta e vai duma
gritaria que se assemelha à matança do porco, o que atrapalha a audição da
minha playlist, à contemplação aborrecida de aves canoras que se penduram nas
paragens, o que talvez me permita continuar a ouvir o meu som, embora não deixe
de ser irritante ter o atrasado a exortar-nos para “olhar para o passarinho”
com aquela expressão, digamos, amalucada. É preferível agarrarmo-nos ao
corrimão e esperar, com boa vontade, que as vizinhas sejam mulheres jeitosas e
bem perfumadas, do que apanhar com os maus fígados dum desgraçado qualquer. Ela
estava ali bem perto de mim, quase colados. E de repente, ao aproximar-se uma
paragem, ela começa a descair. A pender. A cair para trás sobre os joelhos
dobrados. E estava com um olhar petrificado, olhos bem abertos que supus que não
estavam a ver nada. Seria maluca? Não parecia, mas os malucos enganam e alguns
até chegam a presidente dos EUA. Conheceria a pessoa sobre quem estava a
desfalecer? Provavelmente não e não seria essa a abordagem mais ortodoxa para
cumprimentar um conhecido. Se calhar, ela estava mesmo com um problema
qualquer. Ouvi um pouco desse espírito reivindicativo do pessoal não tão
afortunado quanto eu, “ajudem a rapariga!”. Tive de fazer qualquer coisa.
Parecia mal deixá-la ali moribunda à minha frente, prostrada num chão imundo e
com a cabeça junto aos pés duma cabo-verdiana que misturava crioulo com
pretoguês. Ela estava ali, tombada, perfeitamente vulnerável. O sonho de
qualquer violador. Mas eu não sou assim: agarrei-lhe na parte de trás do
pescoço e ergui-a ligeiramente. Foi um agarrar firme, mas ao mesmo tempo
delicado. Senti o veludo dos cabelos alourados dela e olhei-lhe nos olhos, que continuavam
escancarados mas sem grandes sinais de vitalidade. Ela estava especada. Parecia
um príncipe pronto a beijar a Bela Adormecida. Que não era assim tão bela, nem
estava bem adormecida, mas que valia a pena para o simples encontro sexual. Quem
é que disse que em tempo de guerra todo o buraco é trincheira? Pois, alguém com
algum nível de clarividência mesmo numa situação de desespero. Ela seria uma
trincheira bem arranjadinha, decorada com pedaços de veludo como o seu cabelo.
Pus-lhe a mão no pescoço, vi nos filmes que é possível sentir a pulsação da
gente dessa forma, para saber se o coração dela ainda batia ou se ela tinha
basicamente quinado à minha frente. Não dei com a pulsação, mas senti que a
pele dela era suave e lavadinha e que ela, embora não se manifestasse, pelo
menos ainda ouvia. Foi um gesto muito carinhoso. Perguntei-lhe algumas coisas e
ela lá reagiu com tímidos acenos com a cabeça, tentando mesmo pronunciar
algumas palavras por entre uma ténue abertura dos seus lábios pintados de rosa –
acho que foi uma má escolha, mas isso sou eu. Na minha cabeça, equacionava
fazer-lhe uma respiração boca-a-boca, ou apalpá-la bem ou mesmo desabotoá-la. Isto
tendo em mente um superior interesse pseudo-médico para o exterior e um latente
desejo sexual interior. Como acontece nestas coisas, perdi a oportunidade de praticar
qualquer uma destas acções ao pensar muito no que havia exactamente de fazer. Quando
dei por mim, já a maioria dos utentes tinha saído apressada do autocarro e
apenas uma outra mulher se disponibilizou para ajudar a gaja fenecida,
emprestando-lhe uma toalhita com a qual limpou-lhe a fronte. E ambos ajudámo-la
a sentar num lugar desocupado. Diagnóstico final dum leigo: uma súbita e breve quebra
de tensão, que nem deu para empalidecer ou cobrir-se de suores.
Eu ficara com um certo bichinho a
moer-me cá por dentro; caraças, atrasei-me e fui um primor de cavalheirismo
para com esta gaja, iria regressar à minha vidinha com um mero “obrigado”? Está
na hora de fazer o bem olhando a quem, que isto do altruísmo nunca satisfez
totalmente as minhas aspirações. “Obrigada!..”, foi precisamente isso que ela
me disse. Mas eu tive um momento de desassombro.
- Precisas de ser acompanhada…
fiquei preocupado contigo, pensei que me ias morrer nos braços. Posso ficar com
o teu contacto, só para ir sabendo como vais?
Ela ficou um pouco embasbacada,
atarantada até – um semblante ainda assim suficientemente distinto da fraqueza
que ela experimentara –, mas com algum nervosismo visível na forma como se ruborizou
quase instantaneamente, o que não deixa de ser estranho para quem acabou de
sair dum desmaio, lá mo deu. E a partir daí fez-se história. Começou tudo com
uma mensagenzinha de texto muito educada, “Olá! Tudo bem? Como vais andando?”,
que ela só respondeu passadas algumas horas com abreviaturas e “que”’s transformados
em “k”, mas tudo bem, para uma foda e para se ser GNR não é preciso ter escolaridade
superior. Depois da mensagem de texto ocasional, veio a mensagem de texto
corriqueira, que ela já ia respondendo com mais e mais rapidez; depois passámos
para o Whatsapp, acabámos a partilhar links do Facebook e amigámo-nos
naturalmente, até estávamos quase a entrar no LinkedIn, se não se desse o caso
de ela ainda estar a estudar uma inutilidade qualquer numa universidade manhosa
e eu não querer estar associado a ela para efeitos de networking profissional; já
estávamos a partilhar músicas, vídeos do YouTube muito engraçados, memes
levados da breca com gatinhos e até já tínhamos um código emoji para descrever “lasanha
de espinafres” – porquê isto, já não sei, mas as grandes ideias surgem do nada.
Foi um namoro a sério e é muito engraçado olhar em retrospectiva e perceber a
evolução ao longo dos tempos, como a linguagem e a proximidade foi crescendo
entre nós com muita paciência e ponderação, tão características deste tempo:
tinham passado 4 dias. No Sábado não podia falhar e sugeri um encontro. E ela,
não contendo o seu entusiasmo, disse que sim com um polegar enorme em menos de
40 segundos. Pressenti que ia foder a utente que calhou ter uma síncope
qualquer à minha frente e, sejamos claros, a perspectiva agradava-me bastante.
Combinámos um café na zona e ela
lá veio toda lampeira, muito mais bem-disposta do que a imagem que conservara
dela. Passados 20 minutos já estávamos em casa. Não havia intenção de prolongar
a conversa de chacha durante muito mais tempo, ambos sabíamos disso. Eu nem
sequer gosto de café. Quase que vislumbrei aqueles olhos estarrecidos quando a
penetrei bem fundo. Tinha uma ratinha apertada, não fazia depilação total e
tinha ali uma gordurinha gostosa e umas mamas leiteiras, sobre as quais ela
possuía um inexplicável pudor. Eu fiz-lhe notar que não tinha nada ali para se
envergonhar através de umas chupadelas bem dadas. Gemia bem e sei que se veio.
Nem lhe perguntei, mas eu sei destas coisas, já percebo as contorções e os tremores
e, muito importante, a reacção pós-orgásmica delas, que é como o algodão. Eu
também me vim, claro, e acho que foi para aí após uns três minutos de fortes
basculações na rata dela. Nem deu para experimentar outra coisa para além da
clássica posição de missionário. Costuma dar sempre bom resultado. E ela,
quando limpava o grelo no bidé, disse-me, entre um sorriso acanhado:
- Sabes? Acho que desmaiei no
autocarro só para que me pudesses agarrar. Não estava a ver outra forma. E deu
resultado.
- Deu, não deu?
E poderia dar com outras? Será
que…
Sim, num ápice, estavam mulheres prontas
a desmaiar por mim nos autocarros. Para mim. Para se excitarem com os meus cuidados –
sim, porque as gajas têm destas coisas, o gostarem destes gestos, cheiros,
contextos que lhes alagam as partes baixas, por muito imperceptíveis que sejam.
Vá-se lá saber. Ao princípio eram mais estudantes; depois da desmaiada
original, foram mais duas. E inventavam os mais variados mal-estares para terem
um pretexto para receberem os meus cuidados, não eram só quebras de tensão. Só
há uma coisa na qual conseguimos ser mais inventivos do que a fugir dos
impostos: para foder com alguém que se quer muito foder e não se sabe como. Uma
depois apareceu lá em casa com o dossier e tudo, que a desculpa dela era a de
que ia fazer um trabalho de grupo. Tinha uns óculos de nerd e fodia com grande fulgor,
nunca emitindo um som e passando a maior parte do tempo a balancear-se em cima
de mim com grande empenho físico. Corpinho bem esgalhado, maminhas todas
direitinhas e perfeitinhas, ela disse-me que tinha 19 anos mas até podia ter só
16. Que se lixe. Depois veio a primeira madura, uma gaja que eu já tinha
debaixo de olho. Não me surpreendi quando fingiu estar com uma dor de barriga
lancinante e me pediu a poia. Perdão, apoio. “O meu contacto é este, mas não me
digas nada a partir das sete da tarde, que eu vou estar com o meu marido e os
meus filhos”. Parece que o marido já não lhe dá atenção nenhuma e passa muito
tempo ao computador. Há que suprir essas debilidades afectivas, não é, minha
cara? A gaja até era mais mole, cheia de sinais na pele e carregava um cheiro
não muito agradável face às minhas expectativas, era afinal apenas uma tipa que
sabia vestir-se e arranjar-se muito bem, mas quando me pediu “dá-me no cu,
dás-me?”, toda a sua imagem surgiu-me reabilitada; achei-a mesmo muito boa, até
quando gritava “Adooooooooro! Adoooooooooro!” e eu lá bem nos confins do seu
intestino – e ainda bem que uso preservativo, que a minha pila ficou toda
acastanhada quando saiu, porque o marido, mesmo que não lhe desse muita bola,
mantém-se um grande chefe de culinária e preparara-lhe uma soberba feijoada à
transmontana com estes efeitos práticos. As ciganas nunca desmaiaram à minha
frente. E ainda bem. Mas queria foder uma preta, uma preta de top e não uma
senegalesa desnutrida, e ansiava que alguma ficasse mal no autocarro. Houve uma
que vomitou mesmo em cima dum banco e empestou o autocarro com o seu fedor, mas
essa estava mesmo mal. E pela amostra, dava muito na cachupa. Finalmente, houve
uma que se queixava da perna e que solicitou o meu auxílio. Mas era tão gorda e
com um espaço tão grande entre os dentes que fugi mal cumpri as minhas
obrigações solidárias. Nem tudo corria como o esperado, normalmente rejeitava as
velhas e tipas demasiado gordas. Houve uma gorda que disse que iria levar uma
amiga para fodermos os três, e eu até iria apreciar o ménage, mas a amiga dela
parecia uma loura agarrada ao cavalo do bairro social já com quatro filhos
menores e com a cicatriz da cesariana meio visível por entre uma tatuagem em
arabesco, por isso achei por bem não arriscar. Paneleiros obviamente que eram
rejeitados; havia um tipo tão abichanado que costumava apanhar o transporte que
parecia que ia sempre cair com o cu em cima de mim; uma vez, atirou-se para
cima de mim numa curva e pediu-me umas desculpas tão apaneleiradas que até saí
três paragens antes do destino. Também não fodia gajas com rastas. Cheiram mal,
têm as unhas dos pés cheias de sarro e distribuem panfletos do Bloco de
Esquerda, é uma nojice pegada. Depois havia as premium, as gajas que só iam de
autocarro para me ver. Normalmente, essas nem fingiam nenhuma maleita; entravam
no autocarro, perscrutavam o ambiente, detectavam-me e iam logo direitas a mim
para me dar o contacto. A Marisa, aquela gaja cheia de silicone e com uma
tatuagem aberrante nas costas, por exemplo, perguntou-me logo se “Sábado estás
aí?” e eu respondi-lhe, “acho que não, tenho a Leonor, que ontem não podia com
os joanetes”. A Leonor é um nome fictício, claro; ela chamava-se Maria João. E
a Maria João era diferente das outras, vinha-se só com os preliminares e fazia
uns broches fenomenais, foi a primeira gaja que me fez vir a sério só com um
broche. Engolia-me todo, colhões e tudo, sem nunca de engasgar, toda ela era
classe e estilo. Gostava de massagens nos pés e de cubos de gelo, que lhe
chamassem de puta para cima e engolia todas as minhas secreções com um olhar de
perfídia insidiosa muito concreto. Eu digo mesmo todas. Ela até lambia o meu
pus, caso tivesse essa oportunidade. Ela queria meter-me o dedo no cu, mas eu
acho que isso é mariquice a mais e por isso pus-lhe a lamber o meu preservativo
usado. E ela gostava; ela até gostava mais de provar do que eu de a ver.
Lembro-me bem de como tudo
acabou. Estava com a Ana, uma tipa que tinha começado a trabalhar numa
seguradora e que tinha um aspecto muito nerd. A abordagem da Ana foi a de
simular uma enxaqueca terrível, mas não fê-lo com grande atitude; basicamente,
atirou-se para os meus braços e desabafou “ajuda-me, estou que nem posso”. E
tinha gente mais perto para onde se deixar cair, mas acabou por
atrapalhadamente tropeçar para cima de mim, perante a estranheza geral. Enfim,
apesar do aspecto exterior, tinha um bronze espectacular e passava-se quando
lhe davam palmadas no rabo e a rebentavam por trás. Porém, o traço mais
característico dela é que gostava de role plays. Então, vesti uma bata e abri o
meu consultório – porque ela tinha mesmo uma pancada por cuidados médicos e
sabia o nome de demasiados medicamentos para quem trabalha com seguros. Uma
hipocondríaca assumida e uma ninfomaníaca desajeitada. Estava eu a aprumar a
bata, sem nada por baixo, preparando-me para a prescrição que iria salvar a Ana das
suas crises interiores, quando a minha mulher apareceu em casa sem que nada
o fizesse prever.
Pois é, tenho outra relação, não
disse? Pois, tinha; agora já é tarde.
Depois da baba e do ranho e de
tentar explicar-lhe que aquilo “não é o que estás a pensar”, concluímos que
aquilo era mesmo “o que estás a pensar” e demos por finda a nossa parceria. A
Ana ficou tão embaraçada que nunca mais a vi no autocarro. Nem na vida, só
espero que ela se ande a dar bem na seguradora e a desempenhar bem os seus papéis sexuais - não duvido do seu talento. E, inexplicavelmente, tão
rápido como principiara esta mania, deixaram de procurar os meus préstimos
aparentemente desinteressados. Eu até já aprendera uns primeiros-socorros a
sério, eu até já andava de olho em qualquer rapariga mais bamboleante e
chegava-me perto delas para ver se se dava o clique, inscrevi-me num ginásio
para ganhar arcaboiço físico que me permitisse despachar três ou quatro gajas
num dia, mas debalde. O forte charme com o qual fora agraciado por obra do
acaso desaparecera. Nem sequer foi um “fade-out”, não experimentei uma fase de
declínio tampouco; foi um fim abrupto e sem retorno. Resignei-me perante a
fatalidade: não poderia esperar facilidades daí em diante e deveria aproveitar
ao máximo esses raios maravilhosos de sex-appeal, que por vezes emanam
inexplicavelmente de nós e provocam efeitos inesperados nelas, nunca dantes provindos
de mim. Isto é, parece que deslumbrei-me nesta espécie de Jogo da
Glória, ia com tanto avanço e tão acelerado que agora caí no Purgatório e tenho
de esperar que alguém me venha salvar. Uma lição para o futuro. Por outro lado,
regressei à normalidade pacata dum mero utente absorvido em si mesmo a caminho
dos seus destinos e reduzi drasticamente as hipóteses de contrair uma doença
venérea. Estou mais tranquilo. Há quem diga que estou mais abúlico e
inclusivamente taciturno, depende do ponto de vista. A verdade estará lá pelo
meio.