É curioso um dos melhores médios criativos da actualidade chamar-se
Andrea. Não há nenhum ponta-de-lança de renome chamado Jessica nem algum
Samantha a despontar enquanto central de marcação. Isto embora já tenha
existido um Amelia a guarda-redes. Isto no mesmo país do Andrea, a Itália.
Pois, lá na Itália, Andrea é nome de gajo. Na Rússia, Nikita
também é nome de gajo. O Elton John, esse paneleirão de gema, sabia disso
quando construiu o seu grande êxito dos anos 80. Quem não sabia era o
realizador do videoclip, que genuinamente pensou, como a maioria da população
ocidental, que Nikita era sinónimo de russa loura com a pele lisinha. O Elton
John, ainda meio encravado à saída do seu armário, deixou passar essa
interpretação sem discussão. “Achei piada”, disse. Pelo menos, isso fez-lhe
parecer um tipo “normal” para o grosso da sociedade. Eu incluído, que não
percebia nada de paneleirices nem da Guerra Fria naqueles tempos, mas que achava
muita piada às trocas de passaporte entre o Elton e a “Nikita” no videoclip,
sem perceber que o que o Elton queria mesmo era um russo alcoólico e bruto tipo
Zangief, perdoe-se a redundância, a dilatar-lhe os entrefolhos. O Elton
deixaria, contudo, mais um rabo de fora – passe a expressão – e recrutou o gay
emergente George Michael para os coros de “Nikita”, só para que, em
retrospectiva, pudesse dizer “mais gay do que isto não posso ser, desculpem
lá”. Podia, era só ter convidado o outro George, o Boy, que era o que de mais
espampanantemente gay havia à época.
A Itália é também o lugar do mundo onde os jogadores
continuam a ser titulares mesmo que já tenham mais de 35 anos, isto se
exceptuarmos aqueles fenómenos dos Andes que se arrastam pelo terreno de jogo já
contando uns 80 e tal anos e que ainda mantêm esperanças de serem chamados às
respectivas selecções nacionais. Quando lhes perguntam a idade eles nem sabem responder
ao certo, estimam que já tenham 122 anos segundo um calendário indígena e os
seus tetranetos já denotam Alzheimer e tudo, como para provar a acuidade das
suas projecções. Há quem alvitre que a receita para esta longevidade provém das
folhas de coca. Na Itália, o segredo deve estar na massa. O Marco Bellini é que
sabe. Afinal, ele inventou o oráculo e as pizzas ultracongeladas. É o mais
próximo do Da Vinci renascentista que temos. Mais próximo dos Da Vinci
portugueses do Festival da Canção 1989 é que não temos ninguém. Não há quem
saiba ou sequer se recorde do magnífico refrão de “Conquistador”. Será que a
Lei Or ainda está aí para as curvas para fazer uma sessão fotográfica como a
Dora? A Dora é MILF. Está atulhada de silicone e Photoshop, mas ainda assim é
MILF. O Pirlo é igualmente uma espécie de MILF dos relvados, salvaguardadas as
devidas distâncias.
O Pirlo joga com ar de desdém, com aquela barba cada vez
mais hirsuta a conferir-lhe uma aura de sapiência tranquila. Espalha a sua
fleuma pelos relvados em forma de passes milimétricos. Já sabe, qual aranha
manhosa, por onde a bola vai circular na intermediária e confina-se a esse
espaço. Ele já pensa muito mais que corre. Ele racionaliza e distribui, marca
bolas paradas com naturalidade e precisão sem desenhar manobras preparatórias
quase burlescas. Com aqueles olhos desapaixonados, ele só precisa de um relance
para determinar para onde e quando largar a bola, enquanto outros precisam de
ir até esse sítio ou perdem a bola ao tentarem pensar. Dispensa gel no cabelo,
o cabelo nele é como a bola nos seus pés: um organismo livre e solto. Ele agora
consolida a imagem de omnipresença subtil que foi construindo ao longo dos
tempos. Ele pode ser “um velhote”, mas já vinha jogando “à velhote” há algum
tempo. E ainda vai durar mais um par de anos ao mais alto nível.
A verdade é que conheço de vista um tipo com a cara do Pirlo
sem barba e com cabelo ainda mais comprido. Eu diria que é informático, pelo
código de vestuário que pauta este subgrupo humano. Que é descuidado e
completamente fora de moda, com uma ou outra habitual referência a uma série,
filme ou coisas que só eles é que entendem e acham graça. E porque está sempre
a mexer no seu smartphone com a mochila às costas. Se calhar nem é informático de
todo, é apenas mais um pobre diabo perfeitamente incaracterístico dos dias que
correm. A “souplesse” do Pirlo a tratar o esférico tem correspondência na forma
calma mas despachada como o tipo exercita os seus polegares no touchscreen. O
tipo passaria completamente despercebido não fosse o meu olho de lince, que vai
funcionando esporadicamente, detectá-lo uma vez mais no mesmo interface. Eu
acho que mereço algum crédito, afinal descobri quem foi designado como sósia
nº1 a nível mundial do Príncipe William num comboio. É verdade. Não tenho forma
de prová-lo agora, mas acreditem que é verdade. Já neste caso, aquele nariz,
aquela boca e, como seria evidente, aquele desolado olhar seco colocam este
inexpressivo anónimo na linha do bom velho Andrea.
O que eu sei é que nunca mais vi o sósia internacionalmente
reconhecido do Príncipe William desde que ele se alcandorou ao estrelato. Ele
agora deve ser só participações em spots publicitários e outros actos
mediáticos. Cá para mim, mudou-se para Albufeira para explorar os bifes bêbados
com aspecto a lagosta, que irão pagar-lhe copos e pagar para tirar fotos com
ele, ao mesmo tempo que lhe dedicam cânticos hooliganescos de caneca na mão com
aquelas barrigas mais infinitas que a quantidade de sardas que exibem na cara.
Eu cá continuo a ir de comboio para o mesmo sítio. Apesar de tudo, acho que
estou melhor que ele.