Uma pessoa vê o Peter
Griffin e pensa logo, “ena pá, vem aí um fartote de riso”. Mas não. Este post
não vai ser engraçado. Porque eu conheci um Peter Griffin na realidade e a
realidade não é sempre engraçada. É verdade. Há sempre um ou outro acidente
mortal que envolve gente do mais inocente que possamos pensar, violações e
injustiças que tiram o sorriso até ao mais negro dos humoristas, só a título de
exemplo. A realidade pode ser uma grande seca e mesmo aquele gajo que pisou a
casca de banana pode ficar paraplégico e é afinal teu familiar ou amigo. Este
gajo que eu conheci era a figura chapada do Peter Griffin. Mesmo. Eu
chamava-lhe “o Family Guy”, só para que as pessoas o pudessem situar melhor. “Aquilo
que dá na Fox a seguir ou antes dos Simpsons”, explicava, mas a maioria do
pessoal “Aaah… Pois…”, como se os próprios Simpsons fossem para criancinhas ou
atrasados mentais. “Os meus filhos é que gostam de ver esses bonecos”, atiravam
com o paternalismo próprio de quem já está muito à frente na escala de evolução
humana e eu, desarmado, sentia-me um padre a pregar a peixes surdos, mas com
muito menos sucesso que o António Vieira. Tudo bem, um gajo habitua-se. Eu evitava
chamá-lo de Family Guy directamente, porque o gajo tinha quase dois metros de
gordura e brutalidade. Estava lá tudo. Era bem gordo, bastante gordo, com
aquela barriga característica do Griffin que lhe tapa os genitais. Eu acho que
este gajo já nem sequer via os seus genitais ao espelho, tamanho era o volume
daquela pança. É das coisas mais deprimentes que me posso lembrar, se bem que
em desenho-animado até tem a sua graça e evita censuras. Tinha a cara papuda,
com aquele queixinho dividido em dois como um par de testículos. E esta
metáfora não deve ser inocente. Acho que grande parte dos desenhadores trabalha
a melhor maneira de colocar formas que não seriam publicáveis em contextos
insuspeitos. O cabelo era um pequeno tufo lá no topo, penteado para o lado e
até a com a mesma cor do cabelo do Griffin. Também possuía uns óculos fininhos.
E para completar o ramalhete, também tinha um riso bastante característico,
embora não tão cómico em si mesmo como o riso do Griffin. Não era das pessoas
com menos humor que conheci, mas só era engraçado por acaso, não calibrava bem
as suas “punch-lines”. Talvez o seu humor se assemelhasse mais ao de um
Fernando Rocha sem tanta sexualidade envolvida e sem o sotaque de parolo. Ou
seja, era um sentido de humor sem grande grau de refinação e sem os predicados
essenciais do humor sem classe, deambulava por ali na terra de ninguém. Se
tivesse que definir as suas deixas, diria que eram para o desbragado, boçal e providas
de insensibilidade social. A sério, era difícil haver uma versão sem fins humorísticos
do Griffin mais notável que aquele gajo. Em si mesmo, ele era uma personagem.
Dele se esperavam as perguntas mais inquestionáveis e as tiradas mais socialmente
repreensíveis. Mas tudo sem a verve dos bem-humorados. Era mais defeito que
feitio. Como do género “viste a preta hoje? Acho que ela já se cansou desta
merda e foi curtir os petrodólares lá para a Avenida da Liberdade”, com a preta
a passar logo atrás dele. O que não queria dizer que ela não estivesse efectivamente
farta daquela merda e preferisse gastar a sua fortuna na Avenida da Liberdade.
Era apenas o desbocado da situação que havia a registar. Era assim, propenso a
embaraços involuntários, sempre a fumar, o que lhe proporcionava aquela voz
característica dos fumadores, tipo Gilberto Madaíl. Uma rouquidão e uma tosse
com uma certa dose de gosma claramente mais irritante que sensual, que era
adjectivo que nunca se lhe poderia aplicar. A saúde física dele não devia andar
lá muito bem. E ele também não parecia preocupar-se muito com isso. Falava em
molhos, bifes e bebidas com grande certeza. Dizia que já tinha feito isto e
aquilo, tinha planos para qualquer coisa mais e notava-se que não era parvo de
todo. Seria intelectualmente mais apto que o Griffin, devo reconhecer, apesar de
tudo. Devia provir de boas famílias, pese embora o aspecto e a rudeza. Era
desembaraçado, apesar do peso, e metia conversa com qualquer um, desenvolvendo
uma proximidade inquietante com alguém que acabara de conhecer. Denotava alguma
esperteza. O problema estava todo no estilo. Era difícil alguém levar-lhe muito
a sério ao fim de cinco minutos. Ainda para mais os aficionados do Family Guy.
Se calhar o Seth MacFarlane travou contacto com ele há alguns anos e surgiu-lhe
a ideia do Griffin. Parece-me plausível, embora Griffins devam haver em barda
pelos EUA. Dizia que tinha filhos e eu lembrei-me logo de um Chris Griffin com
um macaco mau no armário. Imaginei-o a peidar-se na cara da sua Meg.
Conjecturei que a sua mulher seria pouco menos que perfeita, uma Lois sempre disposta
a manter sexo com ele, por muito mórbido e inestético que parecesse. Nunca
aceitei convites dele para aceder às suas redes sociais. Mas isto porque também
não sou grande adepto das redes sociais, o que me faz um potencial assassino em
série, como já li para aí algures nalguma publicação online – “ah, não estranha
que o gajo desatasse a matar tudo o que lhe aparecesse à frente, porque o gajo
vivia num sótão, a jogar Call of Duty e sem Facebook, logo, quando saísse de
casa iria vingar-se de todos os pedidos de amizade que lhe fizeram e aos quais
não acedeu”. De qualquer forma, eu preferia ser amigo do verdadeiro Peter
Griffin. Pela graça em si e porque sempre daria para tomar conhecimento em
primeira-mão de grandes combates entre ele e uma galinha maligna.
Este Griffin, de galinhas,
devia conhecer apenas os ossos que deixava no prato, depois de enfardar uma
meia-dúzia de uma só vez. A sério, este gajo foi o sósia mais equivalente e
grotesco que alguma vez conheci. Tinha era o grande senão de não ser tão
engraçado como podíamos pressupor. Uma pequena diferença que fazia toda a
diferença.