A música é velha, a televisão é
velha. Os velhos hábitos só se desincrustam pelos seus próprios meios. Não incomodar. Houve muito tempo investido em determinar esta zona de conforto. A novidade estremece o teatro das minhas pacatas operações. Cultivo a atracção pela contemplação, pelo sossego de horas mortas. Com novos amigos improváveis. A conformação
estendeu-se numa chaise-longue e espreguiça-se, dolente, sobre o cotão das ilusões. Diz-me que está tudo bem, para não me preocupar. O sofá, também velho, cogita nas suas deformações crónicas. Perdemos o tempo
juntos. Tão sozinhos, tão eremitas. Nós e estas paredes contemos as palavras e
os gestos mais belos que o tempo jamais reconheceu. Só partilhamos estas coisas
com as nuvens e nunca no tempo certo. O tempo move-se e isto ficou grudado lá
atrás. Eu com elas. O velho perdeu e perdeu-se. As referências de outrora nada
dizem às gerações presentes. Vejam os cabelos deles. A confusão da sua roupa.
Os tiques e os trejeitos. O lixo de ontem é o luxo de hoje. Se te fizer
sentido, está tudo bem. Mas será normal a dúvida. Estamos a mudar de pele,
afinal. Não é uma pele bonita, não se conserta com sabonetes líquidos. É uma pele
imperfeita, demasiado seca ou sebosa. Não é o que se pensa que tenha sido. Já não é o tempo de sonhar com o tempo que
vem, mas de suspirar pelo tempo que foi. Mesmo que não se tenha perdido muito,
há sempre aquela sensação de se ter perdido qualquer coisa e de lá adiante não estar ninguém. Nada que interesse, que o interesse tem vindo a esconder-se debaixo da agenda, não se vê. Por onde andas tu? Há tanto tempo, tempo que nunca mais faltava... Discussões em
silêncio com a mobília sobre as possíveis saídas para este tempo. Às vezes julgo que ganho, às vezes tenho a certeza que perco. Acho que está
tudo feito com o tempo contra mim. Suspeito que tenho poucas hipóteses de sair
airosamente. Não que seja velho, mas porque estou velho. Sob uma perspectiva de
quem vem de trás e interioriza que já correu metade do caminho ainda sem
perceber qual a saída. Vemos os muros concretos do tempo, dantes era tudo abstracto. Não é nada que se repare quando o tempo te vicia com esperança. Agora notas que o
relógio nunca sorri, o calendário deixa cair as folhas na lama. O susto do
médico e a insónia permanente. O enredo é velho, o imprestável do velho já não anda para a
frente. Em frente, decorei a parede com retrovisores. A reflectir uma história atrás
que ninguém quer saber. O tempo de hoje é para leds, não para esta lâmpada incandescente alumiar. Todos sabem, o
paradigma mudou. Vai mudar outra vez. Vai haver novos velhos, cheios de genica
para aguentar um declínio tenaz. Um reciclar de frustrações, uma velha prosa.
Levada com as nuvens, albatroz planando no nevoeiro, um dia aterrará à minha
porta. Na minha sala será mais uma companheira silenciosa, parceira das
inquietudes. Para o tempo em que eu não quiser enfrentar o tempo.
09 agosto 2025
Novos Velhos
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário